17 de julho de 2008

Um poema de Antônio Perin


Solidão metropolitana


Relendo Miguel Torga


Tanto faz. Não importa onde.
Seja numa rua central de Sampa ou do Rio
onde verde é apenas a cor de um delírio.
Sou mais um corpo na correnteza humana
caminho como um primata sem florestas
ereto, mudo, em interiorana presença
perdido na ruidosa solidão da cidade

O concreto treme no vapor do verão
o céu através do véu cinza não é azul
corações desritmados batem na ansiedade da pressa
somos movidos pela batuta do semáforo
Vidas fingidas a caminho de bancos repartições e a bolsa
Quando o dia se apaga e a noite se acende
bovinamente retornamos as nossas celas-quitinetes.


Antônio Perin

Coração de estudante II

(De uma lembrança do Zé Antonio Pereira, numa mesa de bar,
que veio a tona como um verso há muito naufragado)

Qualquer verbo,
intransitivo demais
insuficientes os adjetivos
predicados, os mais desejáveis
mas não ouso dize-los
não
apago então as palavras
(que nem rabisquei)
todas confusas
todas de amor
todos os pontos
resta uma vírgula
apago a vírgula
apago tudo
deito o lápis;
Cecília...!
Expressão substantiva da beleza
doce lembrança calada no fundo
dói, coração de estudante!
Cecília e sua biblioteca
Cecília meiguinha
Cecília purinha
Cecília lindinha:
eis o poema
Não:
poeminha.

Zeca Junqueira

A máquina parada - Zeca Junqueira

Os pingos doem nos nervos como lâminas de gelo:
- chove escuro pesado triste no fim da tarde no
centro da cidade: - é por dentro que chove

chove sujo como baldes de
água ruim jogada de qualquer jeito em cima do
formigueiro humano: - vozes abafadas espasmos
buzinas
latas de gente encalhadas como estranhos
navios sem origem e sem destino na
superfície negra alagada do asfalto.

Tudo estacado:

é como se uma gigantesca máquina invisível
houvesse deixado de funcionar de repente
sem ter sido programada para isso:
- as engrenagens descobertas parando num estrondo,
resfolegando, soltando fumaça, o motor rugindo abafado,
silenciando-se,
o Moloch imobilizado no aguaceiro no
centro da cidade assustadoramente visível
parado
perplexo
afogado.

Chove como se o céu chorasse no centro da cidade.

Zeca Junqueira

Ludopédico - Antônio Jaime

a bola levanta vôo
veloz como cometa
hipnotizaolho por olho
emboca na rede: é gol

como acertar no cubo
que subjaz na esfera
por mais de cem mil lados
só um deles dá no couro

metade da torcida explode
como se um só foguete
a outra: “porra! não fode”
pronta a baixar o cacete

Antônio Jaime Soares