4 de dezembro de 2009

Menino Abandonado


*José Antonio Pereira

Aquele menino pobre
que arrasta descalço
sua solitária tristeza.

Aquele menino magro
que estica a mão nua
de amarelada fraqueza.

Aquele menino sujo
é apenas o fruto
da alegria sem preservativos
de dois adultos.
*José Antonio Pereira (Cataguases MG)

Mensagem atrasada


*Teresinka Pereira

Para Mumia Abul Jamal

Minha mensagem
chegará
como um pássaro
cativo
do lado de fora
da gaiola,
procurando
comunicar
sua tristeza,
mas, em vez disso
respeitando
a sabedoria
de um preso,
estala a mensagem
com um grito
de esperança:
Venceremos!

(Mumia Abul Jamal é um prisioneiro político em EUA)

*Teresinka Pereira (Blufton Ohio EUA)

Gênese


*Ronaldo Cagiano

Busco na palavra sua unção,
labirinto de paradoxos
em que mergulho
como escafandrista
num garimpo de (im)possibilidades.
Território de invenções,
ela me estende a ponte
entre o sagrado
e o profano
Em cada manhã
rompe com sua insistência de rio.
Meticuloso engenho do verbo
que se faz silêncio
ou boato
Rumino a sua nudez
ou desvelo as suas rugas.
Entre a fuga
e os deslizes
o poema vinga
rosa intimorata no asfalto
nutre-me do que é mingua
recicla-me do que é sangue.

*Ronaldo Cagiano (São Paulo SP)

Poema


*Gustavo Rosendi

As casas flamejam porque partiremos
para nunca mais voltar
Guillaume Apollinaire


Cada noite se levantam
uniformizados de musgo
desde a terra parturiente
contemplam as luzes do cais
e ainda sonham
em regressar algum dia
cheirar de novo o bairro
e correr até a porta
da casa mais triste
e entrar como entram
os raios de sol
pela janela
na qual ninguém mais
se detém a olhar
onde mais ninguém
espera a alegria.

*Gustavo Caso Rosendi
(La Plata, Província de Buenos Aires Arg)
Tradução de Ronaldo Cagiano

Epitaph für Maiakowki

*Bertolt Brecht

Den Haien entrann ich
Die Tiger erlegte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Wanzen.

Epitáfio
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade

(Transcriação) de Haroldo de Campos

Interior

O relâmpago risca e o trovão ribomba tremendo a
tarde na cidadezinha.
Uma criança atende, grita e bate lata a meiadistância.
A mãe ralha:
-- Tem gente morta na capela, seu excomungado.
Pára com isso!
Os mais velhos apavoram-se e preparam rezas e
simpatias para
enfrentar o tempo.
Escurece.
Corisca o relâmpago, explode o trovão, zune o
vento,
a criança responde, bate de novo a lata, a
tempestade desaba,
os mais velhos rezam, a mãe em pânico grita:
--Tira a roupa do varal! Respeita os mortos! Entra!
Na sombria capelinha da igreja o silêncio
ensurdece.
Na casa, o menino ri e bate a lata. A mãe zanga.
Lá fora, na tarde fechada que põe-se a clarear,
indiferente
a tempestade ruge a sua sinfonia para os vivos e
os mortos.

Zeca Junqueira (Cataguases MG)

8 de outubro de 2009

Ciclo

Para Claudio Sesin
Ronaldo Cagiano


Enquanto o cortejo seguia
em meio aos gestos automáticos
das mãos que cerravam as portas

outros continuavam a vida
imunes à que passava,
despojada de sua última chama.

A cidade não seria diferente
porque amanhã
outras notícias viriam

e o rio no qual navegamos,

Tejo a repetir a lógica de Heráclito,

seguiria pontualmente
como o sangue em nossas veias,
entre urgências que se renovam.

Entre o solene despedir dos mortos
e a maquinal dor dos vivos

a criança se demorava
num olhar pensativo e inquiridor
rumo ao insondável.

E percebia,
ainda na antemanhã de sua existência,
que viver é um lento aprendizado de
extinção.
*Ronaldo Cagiano (São Paulo SP)

7 de outubro de 2009

Nós

*Terezinka Pereira

Nós que escrevemos no papel,
no computador, no guardanapo,
no recibo do mercado,
no cantinho do jornal,
no prato e nas arvores,
nos que falamos ao vento
com voz de poesia
e palavras de pedra
somos incansaveis
transeuntes da noite,
nomades sem sono
loucos e defeituosos
bruxos descuidados.
Nos vamos sonhando
e seguimos acreditando
no poder do amor.

*Teresinka Pereira (Blufton - Ohio EUA)

22 de setembro de 2009

O fruto

Shigueyi Tsuboi
De muito longe vem esta tormenta
que dissipa o último calor do verão
Um azul ultraterreno
nos chega através do firmamento
enquanto o novo espírito
se prepara dentro de nós


Rapidamente amadurece o fruto
e quando vem a noite,
zumbem os insetos como se tratasse de uma
festa
ou como se estivessem orando.

Enquanto o tempo se amontoa sobre o tempo.

giram no alto as estrelas
e o movimento dos corpos celestes
encontram eco em meu sangue.
Um fruto amadurece lentamente em meu coração.
Eu não conheço sua doçura,
Só sei quão dura e amarga é sua semente.
Tradução de José Antonio Pereira

16 de setembro de 2009

Uma Tanca

Masaoki Shiki

Nas agulhas do pinheiro
cada longo espinheiro
capta uma gota de sereno
mil pérolas que se equilibram
trêmulas, nunca caem.

Tradução: Emerson Teixeira

15 de setembro de 2009

Poema

As casas flamejam porque partiremos
para nunca mais voltar
Guillaume Apollinaire
Gustavo Rosendi
Cada noite se levantam
uniformizados de musgo
desde a terra parturiente
contemplam as luzes do cais
e ainda sonham
em regressar algum dia
cheirar de novo o bairro
e correr até a porta
da casa mais triste
e entrar como entram
os raios de sol
pela janela
na qual ninguém mais
se detém a olhar
onde mais ninguém
espera a alegria.
Tradução: Ronaldo Cagiano

10 de agosto de 2009

Resistência a Cataguases


*Leonardo de Paula

Ponte velha,
Fábrica velha,
Pracinha da Fábrica velha
Que velhice é essa?
A resistir aos anos
para nascer todos os dias para a vida.

*Leonardo de Paula Campos (Cataguases - MG)

Meditação


*Ronaldo de Melo

A vela me lembra o livro da Paz.
O livro, me lembra a página marcada.
A página, me lembra o ano velho que se vai, e
então, a vela me lembra o livro,
e, o evangelho os velhos.

*Ronaldo de Melo (Cataguases - MG)

27 de julho de 2009

Zune

Zeca Junqueira
O poeta é faca e
a poesia pedra de amolar.
Enquanto não vem a carne podre a ser cortada
a lâmina zune afiando na pedra que gira
e zune
e zune
e zune.
Zeca Junqueira (Cataguases – MG)

10 de julho de 2009

Dois Chicos e meia

*Emerson Teixeira
Meu caro amigo Chico
Criador da Meia Pataca
Que como Chico Peixoto
Eu admiro pacas

Permita que eu lhe pergunte
É o senso humano que indaga
Desculpe a brincadeira
Que o próprio ego te afaga.

Dois Franciscos que se prezam
Um dia correram esse risco
Levar no mínimo ao máximo
Essa paixão pelos livros

Um fez o Meia Pataca livro
O outro a passou em revista
Mas, se eram dois e ambos Chicos.

Ambos com Meias Patacas
Por que não fizeram juntos,
Uma Pataca inteira?

Por que não fizeram à meia?
*Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases -MG)

8 de julho de 2009

Pastoreio

Para Eduardo Dalter
*Ronaldo Cagiano

Hóspede do impossível
desafio as cartilagens do tempo
com as esporas do sonho.

Dos espasmos oníricos
com seu arsenal de enigmas

lavro uma geografia agreste

para colher
nas glebas da ansiedade
as ervas do êxito
com seus gumes de mel

Pastor de ilusões
a pregar no deserto de crepúsculos
converto-me em latifundiário de estrelas
e venço as varizes da noite
com meu repertório de delírios.

*Ronaldo Cagiano (São Paulo SP)

7 de julho de 2009

AUGUSTO BOAL

(1932-2009)


*Teresinka Pereira

Naqueles anos
de exílio
não qualificado
de "tortura"
encenávamos
o absurdo da vida
em um festival de teatro
na Califórnia.
O absurdo nos fazia
denunciar
a ditadura militar
sem aceitá-la.
Hoje me entregas
uma quota de absurdo
que não me permite
negá-lo: tua morte.
Sentiremos tua falta,
companheiro Boal,
para sempre.


*Teresinka Pereira

6 de julho de 2009

Dois bares giram enlaçados

*Francisco Inácio Peixoto


As amarguras se encontravam,
somos três pensando em ti.

Eu desenho o teu retrato
no pano sujo e rasgado
que cobre a mesa do bar.

Os músicos derrotados
tocam coisas muito tristes.
Se a noite não fosse aqui,
talvez fizessem chorar.

A lembrança vai crescendo
com as rodelas do chope,
Se derrama pelas mesas,
Sobre as mulheres sem dentes,
Sobre os homens sem amor.

E eles e elas giram,
giram as flores dos cabelos,
palavrões e giram os copos
e no Bar 49,
em torno de teu retrato

Gira, gira, gira tudo,
gira em torno do gigante,
que me acarinha e sorri.
Gira o bar e gira a Lapa,
gira orquestra, gira a vida,
giragirando por ti.

Em São Paulo, havia noites
e tu ficavas no bar.
Luís Saia e os rapazes
conversadinho contigo,
eu ficando a te escutar.

Será triste o Franciscano,
será deserto sem ti.
Osvaldo, Iglesias, Fernando,
Nunca mais beber ali.

Oto, Carlos, Pelegrino,
Dantas Motta, Rubião
Figueiró, Paulo e Jair,

Clemente, Ernande, Bueno
Luiz Saia, irmãos pequenos,
Não mais beber ali não

17.03.1945
*Francisco Inácio Peixoto
(05.04. 1909 – 08.01.1986)

23 de junho de 2009

Ronaldo de Melo

Posted by Picasa

Um poema


*Francisco Inácio Peixoto


Na ponta da rua precisamente suburbana
um homem sofre de angina-pectoris e morre.
Para vós que não o conheceste
É mister, em lágrimas no entanto insofismáveis,
Balbuciar este nome: Mário.
Ai! não me pergunteis mais nada
que ao verso meu, duro e esquivo,
traria um urgente insulto, a palavra áspera.

Deixai que chore, embora continueis ignorando.
Deixai que relembre e chore.
Mas apressai-vos também não vos detendes se quiserdes
guardar o último gesto das mãos enormes,
o último sorriso da boca enorme
Na Rua Lopes Chaves um número se dissolve,
uma casa se dissolve na bruma paulistana.
Das paredes somem-se quadros, os livros desaparecem
das paredes imponderáveis.
Em frente, a máquina portátil ainda guarda a
[palpitação da última poesia ou talvez derradeira
carta.
Se subirdes a escada estreita, vereis depois que não
[há mais escada
só o tropear dos pés aflitos, e as caras que
[indagam sem compreender.
Tudo se evola, mas permanece em nevoa espêssa
[a angústia impressentida
e dois sonos subitamente desamparados do amor
[enorme
das mãos enormes.
A hora morta a paisagem submarina
recebe em seu seio como uma estranha flor de coral
o caixão imenso que flutua,
que flutua na concha noturna de algas desfeitas.
Solitário é agora nosso passo na Rua do Gazômetro.

Solitária e triste é nossa sêde nos bares insones.
Embarquemos na Estação da Luz ou na Estação do Norte
que norte não há mais, nem luz
para o nosso súbito deserto.

Publicado em O Jornal em 08/04/1945 (Domingo)

*Francisco Inácio Peixoto
(05.04. 1909 – 08.01.1986)

20 de abril de 2009

Cena do moço viajante

*Francisco Inácio Peixoto
- Não se avéxe seu moço, se apeie
E entre pra dentro de casa
Nem que seja pra um dedo de prosa...
Se descance do bruto estirão
Que o sol está quente de morte!
Se apeie seu moço, quê isso!
Não custa esperar um tiquinho...
Vou agora lá dentro e já volto,
Dar ordem de trazer pro senhor
Um cuité d'agua fresca da talha.
E o moço seguindo viajem
Se despediu contente do homem
Mais da filha dêle tambem
E estalando com a lingua saíu
Pensando -nem é bom de pensar!
Que gôsto dágua teria
Aquéla agua da mina gostosa
Si fosse bebida na concha
Das duas mãos tão cheirosas
- Mais limpas muito mais frescas
Que um cuité bem raspado -
Daquéla virgem formosa...

*Francisco Inácio Peixoto
Cataguases - MG
(05.04.1909 - 08.01.1986)

Sem caixão, por favor

*José Antonio Pereira

Nasci de cabeça para baixo
brotando de humano ventre.

Permitam-me o caminho contrário.

Nada de brancos linhos
nem negras mortalhas.
Não me encaixotem.

Enterrem-me de pé e nu.

Deixem que a mãe Terra
reabrigue seu feto
em teu morno ventre.

*José Antonio Pereira (Cataguases – MG)

Poema imposible


*Cláudio Sesín

Al final de la fiesta, lo inminente.
No fim da festa,o iminente.
La luna empequeñece lo pensado.
A lua faz pequeno o imaginado.
Hay ausentes cruzando la penumbra
Há ausentes que cruzam a penumbra
y huellas del amor y destinos perdidos.
marcas do amor e destinos perdidos.
Hay ausentes sin alma y nadie que reclame
Há ausentes sem alma e ninguém que reclame
cuánto tiene la murte de abandono.
o quanto tem a morte de abandono.
!Alegrarime, madre, madrecita!
Alegrarime, mamãe, mamãezinha!
!Cómo van a alegrarse corazones
Como pode alegrar-se um coração
si el aguardiente es fuego entristecido!
se a aguardente é fogo entristecido!

*Claudio Sesín (San Fernando Catamarca ARG)
Tradução de Anderson Braga Horta

Ser a tempo e hora

*Emerson Teixeira

Tempo dentro de outro tempo

Viver essa procura insana
Onde estou mais pronto?
Onde me encontro?
Mas, vivo, até que ponto?

Ser a tempo e hora.

Se me procuro
vivo ou morro?


Onde em mim?

Manhã, quem em mim desperto?
Noite, quem em mim adormeço?


Do espelho só imagem
eu quem somos?


Quem dos olhos me olho?


*Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases – MG)

Guerras de imperio


*Eduardo Dalter

El objetivo en las guerras
posmodernas,
acaso entre las más bárbaras
que la historia
reconozca, son los barrios,
los mercados,
las bibliotecas y la gente
sencilla
de la calle. Se vio en
Irak
trizada y martirizada,
con sus centenares
de miles de muertos
y sus escombros
aún calientes. Y se ve en
la Franja
de Gaza, donde el objetivo,
a decir
por las cifras de la sangre
y de la muerte,
fueron los niños, por sobre
todo,
las escuelas ya de polvo
y las familias,
en camino al abismo, o al
baldío
del mundo, que los bárbaros
han venido
tejiendo en cerco y fuego
hasta hoy.

*Eduardo Dalter (Buenos Aires – ARG)

Os últimos dias de março


*Eric Ponty

Dá-nos alento ao perceber
que em alguma parte do mundo
devem existir pessoas corretas
pela honra e civilidade abrolhada
um jovem ou rapaz que nunca leu
Rilke ou desconheça-se deste lirismo:

Que acredite liberdade ser possível,
liberdade não: por ser em muitos lugares,
não tenha única verdade, esta sua,
do princípio adquirido pelos humanos,

O rapaz está ali de pé entre as flores,
resmunga-nos em sua juventude,
pronuncia-se à vista deste mundo,
sonha em seu sonho um sonho frágil,
não o conflito da Palestina ou Botsuana,
ou qualquer outro denominado medo
onde este céu verteu-se em morte;
onde as flores inclinam-se ao direito
perfumes, texturas azuis, manhãs alvas:

Que acredite ser o dom natural seu,
de médico, poeta, artesão, ascensorista,
porque é dele este sonho icario;
não meu por não mais ter vago sonho,
pela honra e civilidade embotada
acredite existir pessoas virtuosas,
um jovem ou rapaz que nunca leu
Rilke ou desconheça-me no lirismo.
*Eric Ponty ( São João del Rey –MG)

Maria Lavadeira

*Francisco Inácio Peixoto

Maria Lavadeira
Da beira do córgo
Estende roupa no varal
Bate roupa na pedra
Lava roupa dia inteiro
Sem descançar...

Ah! vida escomungada...
um diluvio de filhos remelentos
O marido levado da bréca
A casa toda escorada,
Com a imagem suja
De Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Pregada do lado de fóra da porta...

Bemdita Nossa Senhora
Que não deixa a casa da gente cair!

Antigamente Maria Lavadeira
Inda passava o tempo melhor.
Veiu a danada da bexiga
Estragou com éla
Não dando mais gôsto pros outros
De enganar o marido déla...

Ah! Maria Lavadeira
Assunga a sáia
Atóla os pés no berro preto
Da beira do córgo
Estende roupa no varal
Bate roupa na pedra
Lava roupa dia inteiro
Semana inteira
Sem descançar
Sinão teu marido
Te xinga te bate
Te bate no lombo...



*Francisco Inácio Peixoto
Cataguases - MG
(05.04.1909 - 08.01.1986)

9 de abril de 2009

Poêma

*Francisco Inácio Peixoto
Você menina de-já-hoje passou
Um mundo de vezes na minha rua,
Se lembra direito?

Você menina passou
Olhando desejosa pra um lado, pra outro
Assim como quem quer...
Querendo o quê?

Diz que você te mesmo mania...
Não tem sofrimento de viver em casa:
Fica na rua...
Fazendo o quê?

Si você soubesse
Que delicias gosadas eu calcúlo
Ezistirem em você...
Sabe não?

Quando você chegou na esquina
E se deu na vontade
De cocertar sua meia,
Me viu na janéla
Ou se esqueceu que meua avós
Eram tupinambás?
Se esqueceu?

*Francisco Inácio Peixoto
Cataguases - MG
(05.04.1909 - 08.01.1986)

8 de abril de 2009

Meia - Pataca

*Francisco Inácio Peixoto
De primeiro o lugar se chamava
Arraial do Meia-Pataca
Por causa de terem achado
Num córguinho que por aqui passava
Meia-pataca de ouro.

Tambem nunca acharam mais nada...

Imagino Cataguazes
O que seria de você hoje
Si em vez só de meia-pataca
Tivesse mais ouro naquêle córguinho...

do livro Meia Pataca(1928)


*Francisco Inácio Peixoto (05.04. 1909 – 08.01.1986)
Autor de Meia Pataca, com Guilhermino César - Dona
Flor, Passaporte proibido, A janela Chamada geral e Erótica

05 de abril de 1909 - Cem anos de Chico Peixoto

Francisco Inácio Peixoto nasceu em Cataguases no dia 05 de abril de 1909.
Escreveu e publicou Meia Pataca (poesia) com Guilhermino César em 1928, Dona Flor (conto) 1940, A Janela (conto) Passaporte proibido (romance e novela) 1960, Erótica (poesia) 1981, Chamada geral ( conto) 1982; traduziu o romance Oblomov, do russo Ivan Alexandrovitch Gontcharov 1966. Seu nome está intimamente ligado à arte e à arquitetura moderna na pequena Cataguases. Foi um dos integrantes do Grupo Verde, de poetas modernistas e um dos mais importantes articulistas da Revista Verde, uma das principais revistas modernistas da década de 20 em Minas Gerais.
Em 1940 contrata Oscar Niemeyer para projetar sua residência e em 1945 o Colégio Cataguases. Participaram destes projetos o paisagista Burle Marx, Joaquim Tenreiro com o mobiliário. No Colégio, também participou Candido Portinari com o painel “Tiradentes”. A partir daí diversos outros edifícios modernos são construídos na cidade.

2 de março de 2009

Palestina

Baha Boukhari

A poesia é desde os anos oitenta, o gênero da literatura palestina que mais circulou entre nós, para sermos sinceros pelo menos entre nós aqui do Chicos foi o único. Ela nos chegou através do livro da Achiamé – “Poesia Palestina de combate”. Nós, como dizia a letra do rock, éramos tão inúteis que nem votávamos para presidente. Era uma poesia que nos envergonhava. Eles tinham a coragem de lutar com suas palavras por uma pátria sem solo, enquanto nós silenciávamos diante de nossos ditadores. Como não se solidarizar com a combativa poetisa Fadwa Tuqan sobre quem Moshé Dayan disse: “Seus poemas eram mais subversivos que dez atentados.” Com o passar dos anos nos livramos de nossa ditadura. Os palestinos, ainda sem pátria, continuam vivendo até os dias de hoje seu martírio. Para sermos solidários e também protestarmos contra a estupidez e intolerável carnificina que se abateu sobre a Faixa de Gaza ( قطاع غزة . em árabe) postamos alguns poemas aqui no blog.


Baha Boukhari é um cartunista palestino que trabalha para o
jornal Al Ayyam. Em seu site há mais de uma centena de
caricaturas sobre a ocupação israelense. Infelizmente, não há
tradução dos textos em árabe.
http://www.baha-cartoon.net/

O médio do oriente é o meio do inferno - Antônio Perin


Eu sou o santo, rezando no terraço, — como
os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina.
Artur Rimbaud

Milenar e insana terra santa
onde generais imolam em altares
imaculadas ao deus da guerra
Crentes entre orações se matam
profetas circuncidam gargantas
meninos secam em seios mortos.

Poetas não fazem versos
explodem-se em bombas.

O inferno refletido no casco do míssil
é vermelho como o ódio dos olhares
Almas fogem de balas deixando corpos
que carpideiras oram num choro seco.

Onde está a poesia da fé?
Onde está o homem?
Onde está os cantares da crença?
Onde está Deus?

O Oriente médio é o meio do nada.
Antônio Perin

26 de fevereiro de 2009

Carteira de identidade

*Mahmoud Darwich

Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah² e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na
pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus
antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.

*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)

1 Célebre tribo da Arábia
2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a
cabeça e que tornou-se símbolo nacional palestino pela
liberdade e independência. Originariamente, esse lenço é usado
pelos camponeses para protegerem a cabeça durante o trabalho
no campo.

Eu sou de lá


*Mahmoud Darwish

Eu venho de lá e recordo
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma
mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota
arrebatou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de
capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho uma comida divina de pássaros e uma
oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe o céu chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados
de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.

*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)

Basta-me permanecer em seu regaço


*Fadwa Tuqan

Basta-me morrer em meu país
aí ser enterrada
dissolver-me e aí reduzir-me a nada
ressuscitar erva em sua terra
ressuscitar flor
que uma criança crescida em meu país
arrancará
basta-me estar no regaço de minha pátria.
terra
........erva
.....................flor

*Fadwa Tuqan - poetisa -(Naplusa – Palestina)

Barbarie en Gaza

(El mundo que vino)

*Eduardo Dalter

Ante el silbido y la explosión
y fuego del misil
sobre lo que parecía un barrio
populoso y una placita,
quedé mudo. El mundo escribe
herido,
tocado, consternado, pero yo
quedé mudo.
Ante el video, en que se oye
otra detonación
y crece una nube de humo,
sobre niños
que apenas se mueven, oh Dios
(¿cuál Dios?),
quedé mudo. Ante la tregua de
tres horas,
de generosa o desmedida
bestialidad,
en medio de una gran carnicería
humana,
quedé, quedé mudo. Ante las
palabras
del presidente francés, que no
sé aún
cómo se atrevió a decir sin
cubrirse
la cara, o al menos los ojos,
quedé mudo.
Ante el verdadero baldío de
pinchos
y abrojos en que desde Kabul
y Bagdad
se convirtió las Naciones
Unidas,
quedé mirando nada,
quedé mudo.
Ante las cinco fotos que
recibí anteayer
vía España, con cuerpos y
cuerpos,
una pierna al rojo, un brazo,
quedé mudo.
Ante las declaraciones del
embajador
de Tel Aviv en Buenos Aires,
en el ciclo
de periodista Nelson Castro,
quien
gentilmente le palmeó una
mano
y le ofreció una sonrisa,
quedé mudo.
Ante el almanaque nuevo,
con todas
sus hojas, y que sólo indica
enero 2009,
como con toda mi persona
hundida,
sin más, nada más,
quedé mudo.

*Eduardo Dalter (Buenos Aires – Argentina) Poeta,
autor de vasta obra. Editor de “Hojas de Carmín”.

16 de fevereiro de 2009

Um poema de Antônio Perin


Pesadelo


“As almas de nossos ancestrais ainda
latejam em nós dores já esquecidas, quase
como o homem ferido que sente dor na
mão que perdeu” Jules Michelet


Dói-me às costas a chibata do senhor de escravos
Coronel, major, barão, doutor, mascate...
Pouco importa, sei que era um pereira.

Grande latifundiário, herdeiro de sesmaria, de capitania...
Hereditário mercador de quinquilharias e africanos.

Um destes pereiras era senhor de meu ancestral
O fidalgo “pereira” o fez chegar as terras do Jequitinhonha
faiscador nos intestinos das minas de Diamantina.
Ali, quantos negros pereiras brotaram marcados a ferro,
registrados em cadernetas de feitores,
lançados a termo, garantindo débitos
Todos... Todos propriedade do senhor pereira
Quantos pereirinhas congaram, choraram, cantaram
míticos amores, brancos estrupos, lendas e fé.

Mergulho no passado da estupidez branca
sublevo na senzala o espírito subjugado.
Com a doce alegria ameríndia
expurgarei a fé branca imposta
purgarei o aceite do açoito
libertarei a alma dos grilhões
com os atabaques chorarei as almas mortas.
Assim liberto os futuros pereiras do jugo dos pereiras de antanho.



Antônio Perin

Um poema de Chico Cabral*


Pedra


Escrevemos
porque sabemos
que vamos morrer.

Escrevemos
porque não sabemos
por quê.



*Francisco Marcelo Cabral 
Autor de O Centauro, Inexílio, 
Baile de Câmara e Poema em 3 Cantos
reunidos no Livro de poemas (2003) 
e Cidade Interior (2007)