26 de fevereiro de 2009

Carteira de identidade

*Mahmoud Darwich

Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah² e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na
pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus
antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.

*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)

1 Célebre tribo da Arábia
2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a
cabeça e que tornou-se símbolo nacional palestino pela
liberdade e independência. Originariamente, esse lenço é usado
pelos camponeses para protegerem a cabeça durante o trabalho
no campo.

Eu sou de lá


*Mahmoud Darwish

Eu venho de lá e recordo
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma
mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota
arrebatou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de
capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho uma comida divina de pássaros e uma
oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe o céu chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados
de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.

*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)

Basta-me permanecer em seu regaço


*Fadwa Tuqan

Basta-me morrer em meu país
aí ser enterrada
dissolver-me e aí reduzir-me a nada
ressuscitar erva em sua terra
ressuscitar flor
que uma criança crescida em meu país
arrancará
basta-me estar no regaço de minha pátria.
terra
........erva
.....................flor

*Fadwa Tuqan - poetisa -(Naplusa – Palestina)

Barbarie en Gaza

(El mundo que vino)

*Eduardo Dalter

Ante el silbido y la explosión
y fuego del misil
sobre lo que parecía un barrio
populoso y una placita,
quedé mudo. El mundo escribe
herido,
tocado, consternado, pero yo
quedé mudo.
Ante el video, en que se oye
otra detonación
y crece una nube de humo,
sobre niños
que apenas se mueven, oh Dios
(¿cuál Dios?),
quedé mudo. Ante la tregua de
tres horas,
de generosa o desmedida
bestialidad,
en medio de una gran carnicería
humana,
quedé, quedé mudo. Ante las
palabras
del presidente francés, que no
sé aún
cómo se atrevió a decir sin
cubrirse
la cara, o al menos los ojos,
quedé mudo.
Ante el verdadero baldío de
pinchos
y abrojos en que desde Kabul
y Bagdad
se convirtió las Naciones
Unidas,
quedé mirando nada,
quedé mudo.
Ante las cinco fotos que
recibí anteayer
vía España, con cuerpos y
cuerpos,
una pierna al rojo, un brazo,
quedé mudo.
Ante las declaraciones del
embajador
de Tel Aviv en Buenos Aires,
en el ciclo
de periodista Nelson Castro,
quien
gentilmente le palmeó una
mano
y le ofreció una sonrisa,
quedé mudo.
Ante el almanaque nuevo,
con todas
sus hojas, y que sólo indica
enero 2009,
como con toda mi persona
hundida,
sin más, nada más,
quedé mudo.

*Eduardo Dalter (Buenos Aires – Argentina) Poeta,
autor de vasta obra. Editor de “Hojas de Carmín”.

16 de fevereiro de 2009

Um poema de Antônio Perin


Pesadelo


“As almas de nossos ancestrais ainda
latejam em nós dores já esquecidas, quase
como o homem ferido que sente dor na
mão que perdeu” Jules Michelet


Dói-me às costas a chibata do senhor de escravos
Coronel, major, barão, doutor, mascate...
Pouco importa, sei que era um pereira.

Grande latifundiário, herdeiro de sesmaria, de capitania...
Hereditário mercador de quinquilharias e africanos.

Um destes pereiras era senhor de meu ancestral
O fidalgo “pereira” o fez chegar as terras do Jequitinhonha
faiscador nos intestinos das minas de Diamantina.
Ali, quantos negros pereiras brotaram marcados a ferro,
registrados em cadernetas de feitores,
lançados a termo, garantindo débitos
Todos... Todos propriedade do senhor pereira
Quantos pereirinhas congaram, choraram, cantaram
míticos amores, brancos estrupos, lendas e fé.

Mergulho no passado da estupidez branca
sublevo na senzala o espírito subjugado.
Com a doce alegria ameríndia
expurgarei a fé branca imposta
purgarei o aceite do açoito
libertarei a alma dos grilhões
com os atabaques chorarei as almas mortas.
Assim liberto os futuros pereiras do jugo dos pereiras de antanho.



Antônio Perin

Um poema de Chico Cabral*


Pedra


Escrevemos
porque sabemos
que vamos morrer.

Escrevemos
porque não sabemos
por quê.



*Francisco Marcelo Cabral 
Autor de O Centauro, Inexílio, 
Baile de Câmara e Poema em 3 Cantos
reunidos no Livro de poemas (2003) 
e Cidade Interior (2007)