20 de agosto de 2008

Poema gauche

Pela mineira Avenida Astolfo Dutra
(na imaginação toda iluminada)
lá vão o Toquinho e o Zé Antônio no
sábado de carnaval,
eu me despeço,
subo antes a rua da Praça de Esportes
onde em algazarra um dia cortamos águas de
muitos portos – como havia portos!
subo a rua silenciada pela madrugada
desafiando surdos e tamborins
encharcado de uísque (cão engarrafado) e
cerveja tomada à rodo esquivando-me do
cão do Pequeno (xô, bicho!)
nosso anfitrião que encheu o saco
entre um copo e outro e mais outro
péra lá!...
o anfitrião é o Pequeno o cão é o cão e
foi ele – o cão! - que encheu o saco e
nós não bebemos esse cão, acho que não,
tá explicado, momo possuiu o bicho
que não parava de pular, pulou até sumir
...revejo-os,
o Toquinho e o Zé Antônio no meio da avenida
já avistando a folia brancaleone espremida no gueto
(gueto na forma e no conteúdo)
mas o Toquinho se anima e arrisca uma marchinha,
se desajeita e desiste,
“êta bosta de festa ruim!”, teria dito
esquecendo o português professoral
“cadê os carnavais de Cataguases
onde as águas rolavam?”
teria questionado o homem calibrado
de novo a dançar com os braços levantados e
os dedos indicadores apontados para o céu estrelado
- vai nascer birruga, Toquinho! e
ele desiste de vez dos eflúvios de momo.
Prosseguem os dois na caminhada e
sobrevivem ao gueto e à folia e
finalmente alcançam a Vila onde a dupla se desfaz:
Zé Antonio assenta-se no meio-fio fitando o Toquinho
que segue com a folia mal resolvida no ânimo
“parecendo Carlitos naqueles finais de filmes
em que ele caminha solitário rumo ao infinito”,
poetisa rindo com certeza o Zé Antonio
mirando o Toquinho que por ora vai sumindo devagar
na tela da infinita noite estrelada.
Caminha de novo o Zé Antônio, agora só
pela sua avenida antiga de uniforme e livros escolares
pensando na vida pacata sem surdos nem tamborins,
levando a vida mineira de pouca festa,
se esforçando na previdência (melhor seria na providência)
terrena e celeste, por favor
afinal alguém precisa tomar providências!
lá vai o Zé Antônio carregando uma lembrança qualquer
dos amigos?
dos amores perdidos?
das namoradas guardadas no peito?
de outros carnavais?
também sob um céu de estrelas que já brilharam mais,
lá longe, lá na sua adolescência na mesma avenida,
lá vai o Zé Antônio embolado entre a prosa e o verso,
indeciso entre o silêncio e o verbo (e agora, José?)
espremido para caber cotidianamente
entre o dia e a noite
entre o dever e a fuga
entre o ser e o não ser
entre a farsa e o foda-se
lá vai ele caminhando com as mãos nos bolsos,
também parecendo um Carlitos fora das telas
perdido num arremedo de sábado de carnaval
já com ares de quarta-feira de cinzas
onde cai bem um the end com vaias para essa folia gauche
que termina com o Zé Antonio, só,
desaparecendo pela velha avenida rumo a tudo que ele pretende,
sem saber como, tornar infinitamente melhor.

Zeca Junqueira

5 de agosto de 2008

Paisagem

Para Altamir Soares


A tinta fresca da manhã
cobriu a cal que só ficou no céu
e nos olhos arregalados do menino

Emerson Teixeira