17 de janeiro de 2008

Ao outro Cabral - Antonio Jaime

bem uns duzentos anos
pós corrida do ouro
de novo garimpouros
a exaurir o rio pomba
não de todo sem lucro
pode provar – no papel
francisco marcelo cabral
o homem que sabe tudo
basta só um exemplo:
poeta – no seu entender -
é o que puxa a cadeira
a poesia é o tombo
ouve troqueus no jorro
da torneira – anapestos
no ralo – pensa em verso
e – ao escrever – sai ouro

Antônio Jaime

Inexílio II - Francisco Cabral


*Francisco Cabral


Todo poema é celebração
mesmo não lido.
Todo poema é de amor
mesmo perdido.
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido

*Francisco Marcelo Cabral

Cena de uma rua afastada - Ascânio Lopes

Para Martins de Almeida


A solteirona fechou as janelas com estrépito.
Uma mocinha da escola normal passou firme,
[ sem olhar.
Um senhor gordo disse que era uma pouca
[ vergonha
e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
às pedradas dos garotos,
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê
[ (meio sangue) do sr. Fagundes
continuaram impudicos no meio da rua.



* Ascânio Lopes (Ubá 1906 - Cataguases 1929)

9 de janeiro de 2008

Poetas - Zeca Junqueira

Dedicado a Allen Ginsberg
e aos cronistas da Casa da Rua Alferes

É preciso extrair a seiva da poesia,
reduzir o verso ao mínimo,
à emoção pura
palavras nuas e essenciais, sem nenhum pudor
não escondam a loucura.
De que servem nossas vestes de poetas, nossa obscura linguagem,
de que serve o nosso falseado ritmo se no tempo de uma linha,
no tempo em que soberbos escrevemos versos – só versos,
ratos e baratas bebem sangue inocente nos esgotos das cidades?
Fazemos poesia e vista grossa à injustiça e à covardia?
Não escondam a loucura
dêem o nome certo, apontem o dedo, mostrem, escrevam nas ruas,
escrevam nos muros, nas portas, nas janelas, na pele, na ira e no desânimo das pessoas,
escrevam onde todos possam ler – reconstruam a esperança.
Que a poesia seja bem plantada e colhida publicamente em jardins reinventados
que a beleza rompa o silêncio dos livros, a inércia das estantes,
a futilidade dos títulos e aplausos.
Poesia é rumo, pois que oriente
poesia é pão, pois que alimente.
Não escondam a loucura.

Zeca Junqueira

As estações - Aloísio Tico Tico

Numa noite de 1984, em Ubá

Às vezes os velhos amigos me perguntam
Porque não canto agora e nem sorrio
Com a loucura harmoniosa de outrora.
Eles não percebem, ou não querem ver,
a obra profunda e misteriosa das horas,
o labor dos minutos e o prodígio dos anos...
É que eu, como as árvores mais jovens,
produzia, ao sabor da brisa primaveril,
um vago e ditoso som, semelhante talvez
ao ruído do vento quando acaricia
a cabeleira verde das árvores serranas...
Mas já passou aquela quadra amiga,
levando em suas asas o riso juvenil e terno.
É tarde já, e se aproxima o inverno...
Deixem portanto que este coração
se mova agora ao som das tempestades.

Aloísio Tico Tico

8 de janeiro de 2008

Símiles - Emerson Teixeira

A clausura das palavras em seu estado dicionário,
a solidão dos cemitérios quando não há enterros,
o silêncio das igrejas e monastérios,
a desolação das ruas quando faz frio e é noite,
o sono do trabalhador que descansa do que faz...

Tudo lembra a paz do serviço público após o expediente,
o silêncio completo de suas salas com ar-condicionado
desligado.


Emerson Teixeira

Resquícios - Ronaldo Cagiano


Nas águas do velho rio
navegam barcos da infância
que lancei rumo às estrelas.

Ah, como dói saber
que o menino ainda sobrevive
na espera infundada dos sonhos.

Sobre o beiral da ponte
que atravessa a cidade,
perco-me no espelho que me espia
e diviso outras miragens.

Onde ancorei a esperança?
E em que ponto naufragou a utopia?

Indago às novas torrentes,
mas o murmúrio do leito imune aos meus apelos
denuncia o imponderável que há nas coisas.

Volto-me para a retaguarda de fastios,
meus olhos testemunham ruga e mofo
e em todo o canto algo deduz que o tempo,
esse mar adiante das remotas águas,
engoliu a minha história.

Ronaldo Cagiano