10 de novembro de 2008

Certa Lolita

um talho vermelho
(seus lábios) na fruta
de casca clara (seu rosto
por dante gabriel rossetti)
um lewis carroll – por ela
perderia o baralho

imaginar os seus seios
mesmo batom vermelho
nas pontas – excitantes
em breve – salientes
mormente entre o banho
e o ninho – o soutien


Antonio Jaime Soares

Água-forte

Sigo trilhas do nenhum-destino.

Pegadasfolhas avisam houve alguém.

O sol o chão cobre de ouro e ocre

Escarrego no barrosseco

amacio musgos besouros

Flechas do chovereu nuvêm

lavarbrunir as pedras

onde lagartos preguiçásperos

verdormitam

Margens da senda se aproencimam

do horizontempo

a que perdidoporto vôo

cativo pelaspenas, bico sedentro

da aguarosa da luz que tardescai

Francisco Marcelo Cabral (Rio de Janeiro – RJ)

29 de outubro de 2008

25 anos sem Ana Cristina

Ana C. nasceu em 1952 e morou no Rio, em Niterói e no exterior. Ficou conhecida pela poesia confessional, tendo sido projetada por A Teus Pés, lançado em 82. Além de escrever seus poemas, atuou como tradutora (verteu para o português Sylvia Plath e Emily Dickinson), publicou em jornais e trabalhou na televisão.
Olho muito tempo...
Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

16 de outubro de 2008

De fininho

Dentro do elevador pela manhã
a caminho da rua (ai, meu Deus!)
penso nas minhas pendências proibidas:
desemprenhar no papel dois poemas que me
incomodam
como calo inflamado no dedo do pé
como cutícula solta no dedo da mão
terminar de ler um livro ora pela metade
cujo final ao longe me desafia os olhos e a paciência
rever dois filmes - Era uma vez no oeste e Fome de viver
(obras de arte)
que nada têm a ver com a nossa fome e o nosso jeito
faroeste de ser
penso ainda no elevador nas duas vidas que tenho para levar
na que fica presa no peito e por lá vai sendo esquecida
pela impossibilidade de crer e
penso apreensivo na real, na vida forçada de cada dia onde
tenho que pagar as contas e
os pecados que não cometi
onde tenho que manter a calma e
a educação, quiçá o bom humor
a boa convivência - ou a hipocrisia?
onde tenho que conter a ira e
travar a língua
onde tenho que fazer-me de trouxa e
ficar esperto e
esquivar-me da bala
esquivar-me da faca
esquivar-me do beijo
esquivar-me do outro
safar-me de tudo
onde eu devo ser ninguém
para conseguir sair vivo
de fininho
no final.

Zeca Junqueira

Fé e luta

Agnóstico entre pregadores alucinados
sentia-me iluminista nas trevas da modernidade.

Vendo aqueles mantos cor de açafrão
enfrentando o opressor e feroz dragão
apenas com a força de sua fé budista
resgatou em mim a fé e a vergonha.
Não a fé em um ser sobrenatural
mas na que brota da própria crença.

Ateus cristãos e judeus
e tantos outros em suas fés
lutaram contra o nazismo...
o franquismo... o salazarismo...
Envergonho-me de minha covardia
diante de meus nanismos.


José Antonio Pereira

13 de outubro de 2008

Cidade

*Emanuel Medeiros
Em memória do amigo Pingo, que nos deixou nesse outubro

“ A verdade é feia. Temos a arte a fim de que a verdade não nos mate.”

(Friedrich Nietzsche.)
Avisto a cidade – o dia surgido,
planalto seco.

Já não consigo contemplar a vida,
soberano exílio,
em busca de outro mar,
da penúltima gaivota,
da ilha do coração ausente.

Sim, avisto a cidade,
céu sem mediação (parece um teto),
azul pleno,
sol de outubro,
à espera do cheiro de terra molhada depois da seca
(mangueiras em flor),
sempre esperando, sempre.

Avisto a cidade,
os primeiros ruídos,
o cerrado e uma flor retorcida,
um cheiro de morte,
sim, aquele cheiro.

A morte ganha sempre.
(Tem mais tempo.)

Então: uma noite sucedendo-se à outra noite:
sempre.


Brasília, outubro de 2008
*Emanuel Medeiros Vieira

8 de setembro de 2008

Glamour

a Ronaldo Werneck


cinema é celofane
embala em belas cenas
estrelas não menos belas

carros sem capota
cabelos em cascata
pérolas e brilhantes

em decotes flamejantes
nos vestidos longos
leves – esvoaçantes

divas doidivanas redivivas
em anita ekberg
in la dolce vita

Antônio Jaime Soares

Um poema de Milton César Pontes


Do livro Grafoemas


e agora / sou engenheiro do sol / ouço o negror
em seixos / ásperas fendas / garganta crespa /
quilombo totêmico / redução pendente de tábuas /
papelão / plástico / robustecidas sobras deitadas /
escancaradas perífrases verbais / por onde escorre
o céu súbito de violência e resinosa luta / seca
pancada de quem escuta / pergunta / ferra / obriga a
perceber o divino / tertúlias sobre as lajes calcárias
dos rios que sinto / eu com essas tolices na cabeça


Milton César Pontes

Um poema de Antônio Perin


A casa de meus avós



Na velha estrada do horto
bem no alto do Belém
Minha mãe mostra
a casa em que nascera.

Só vejo o capim angola,
o amarelo da estrada
serpenteando
pelas beiradas da morraria


Ela num olhar turvo
olheiras elípticas de saudades
fala de uma casa, paiol e bica
como se lá ainda estivessem.

Só imagino um esqueleto de paus
a ausência de telhas de coxa
folhas arrastadas pelo vento
num terreiro de secar feijão

Onde um dia foi casa,
uma vaca mastiga capim
ruminando os segredos
dos meus avós.

Antônio Perin

20 de agosto de 2008

Poema gauche

Pela mineira Avenida Astolfo Dutra
(na imaginação toda iluminada)
lá vão o Toquinho e o Zé Antônio no
sábado de carnaval,
eu me despeço,
subo antes a rua da Praça de Esportes
onde em algazarra um dia cortamos águas de
muitos portos – como havia portos!
subo a rua silenciada pela madrugada
desafiando surdos e tamborins
encharcado de uísque (cão engarrafado) e
cerveja tomada à rodo esquivando-me do
cão do Pequeno (xô, bicho!)
nosso anfitrião que encheu o saco
entre um copo e outro e mais outro
péra lá!...
o anfitrião é o Pequeno o cão é o cão e
foi ele – o cão! - que encheu o saco e
nós não bebemos esse cão, acho que não,
tá explicado, momo possuiu o bicho
que não parava de pular, pulou até sumir
...revejo-os,
o Toquinho e o Zé Antônio no meio da avenida
já avistando a folia brancaleone espremida no gueto
(gueto na forma e no conteúdo)
mas o Toquinho se anima e arrisca uma marchinha,
se desajeita e desiste,
“êta bosta de festa ruim!”, teria dito
esquecendo o português professoral
“cadê os carnavais de Cataguases
onde as águas rolavam?”
teria questionado o homem calibrado
de novo a dançar com os braços levantados e
os dedos indicadores apontados para o céu estrelado
- vai nascer birruga, Toquinho! e
ele desiste de vez dos eflúvios de momo.
Prosseguem os dois na caminhada e
sobrevivem ao gueto e à folia e
finalmente alcançam a Vila onde a dupla se desfaz:
Zé Antonio assenta-se no meio-fio fitando o Toquinho
que segue com a folia mal resolvida no ânimo
“parecendo Carlitos naqueles finais de filmes
em que ele caminha solitário rumo ao infinito”,
poetisa rindo com certeza o Zé Antonio
mirando o Toquinho que por ora vai sumindo devagar
na tela da infinita noite estrelada.
Caminha de novo o Zé Antônio, agora só
pela sua avenida antiga de uniforme e livros escolares
pensando na vida pacata sem surdos nem tamborins,
levando a vida mineira de pouca festa,
se esforçando na previdência (melhor seria na providência)
terrena e celeste, por favor
afinal alguém precisa tomar providências!
lá vai o Zé Antônio carregando uma lembrança qualquer
dos amigos?
dos amores perdidos?
das namoradas guardadas no peito?
de outros carnavais?
também sob um céu de estrelas que já brilharam mais,
lá longe, lá na sua adolescência na mesma avenida,
lá vai o Zé Antônio embolado entre a prosa e o verso,
indeciso entre o silêncio e o verbo (e agora, José?)
espremido para caber cotidianamente
entre o dia e a noite
entre o dever e a fuga
entre o ser e o não ser
entre a farsa e o foda-se
lá vai ele caminhando com as mãos nos bolsos,
também parecendo um Carlitos fora das telas
perdido num arremedo de sábado de carnaval
já com ares de quarta-feira de cinzas
onde cai bem um the end com vaias para essa folia gauche
que termina com o Zé Antonio, só,
desaparecendo pela velha avenida rumo a tudo que ele pretende,
sem saber como, tornar infinitamente melhor.

Zeca Junqueira

5 de agosto de 2008

Paisagem

Para Altamir Soares


A tinta fresca da manhã
cobriu a cal que só ficou no céu
e nos olhos arregalados do menino

Emerson Teixeira

17 de julho de 2008

Um poema de Antônio Perin


Solidão metropolitana


Relendo Miguel Torga


Tanto faz. Não importa onde.
Seja numa rua central de Sampa ou do Rio
onde verde é apenas a cor de um delírio.
Sou mais um corpo na correnteza humana
caminho como um primata sem florestas
ereto, mudo, em interiorana presença
perdido na ruidosa solidão da cidade

O concreto treme no vapor do verão
o céu através do véu cinza não é azul
corações desritmados batem na ansiedade da pressa
somos movidos pela batuta do semáforo
Vidas fingidas a caminho de bancos repartições e a bolsa
Quando o dia se apaga e a noite se acende
bovinamente retornamos as nossas celas-quitinetes.


Antônio Perin

Coração de estudante II

(De uma lembrança do Zé Antonio Pereira, numa mesa de bar,
que veio a tona como um verso há muito naufragado)

Qualquer verbo,
intransitivo demais
insuficientes os adjetivos
predicados, os mais desejáveis
mas não ouso dize-los
não
apago então as palavras
(que nem rabisquei)
todas confusas
todas de amor
todos os pontos
resta uma vírgula
apago a vírgula
apago tudo
deito o lápis;
Cecília...!
Expressão substantiva da beleza
doce lembrança calada no fundo
dói, coração de estudante!
Cecília e sua biblioteca
Cecília meiguinha
Cecília purinha
Cecília lindinha:
eis o poema
Não:
poeminha.

Zeca Junqueira

A máquina parada - Zeca Junqueira

Os pingos doem nos nervos como lâminas de gelo:
- chove escuro pesado triste no fim da tarde no
centro da cidade: - é por dentro que chove

chove sujo como baldes de
água ruim jogada de qualquer jeito em cima do
formigueiro humano: - vozes abafadas espasmos
buzinas
latas de gente encalhadas como estranhos
navios sem origem e sem destino na
superfície negra alagada do asfalto.

Tudo estacado:

é como se uma gigantesca máquina invisível
houvesse deixado de funcionar de repente
sem ter sido programada para isso:
- as engrenagens descobertas parando num estrondo,
resfolegando, soltando fumaça, o motor rugindo abafado,
silenciando-se,
o Moloch imobilizado no aguaceiro no
centro da cidade assustadoramente visível
parado
perplexo
afogado.

Chove como se o céu chorasse no centro da cidade.

Zeca Junqueira

Ludopédico - Antônio Jaime

a bola levanta vôo
veloz como cometa
hipnotizaolho por olho
emboca na rede: é gol

como acertar no cubo
que subjaz na esfera
por mais de cem mil lados
só um deles dá no couro

metade da torcida explode
como se um só foguete
a outra: “porra! não fode”
pronta a baixar o cacete

Antônio Jaime Soares

24 de junho de 2008

Meia Pataca - Guilhermino Cesar

A Henrique de Resende


O conquistador chegou cansado
e batisou com o ouro da cobiça
a terra que lhe prometia
um punhado de coisas tentadoras
MEIA – PATACA!

Vieram mais gentes
porêm não havia mais ouro
no rio de aguas feias.

Vieram outras gentes.
Cataguazes... a cidade cresceu
O Pomba tem barcos de nome estrangeiro
brincando no dorso barrento.
O Meia – Pataca ficou desdeixado
pobre riozinho que se esconde
e passa de longe medroso.

- Olhando o rio esquecido
eu penso no ouro que sumiu
e no ouro que ficou pra sempre
no coração da minha gente.

18 de junho de 2008

O doente - Guilhermino Cesar

Doente de poesia
não tem alívio nem cura
a menos que se interne
sozinho
no espaço incriado.
No diamante não serve ; é
demasiado claro.
Convém-lhe o resguardo
dos recém-nascidos:
olhos no escuro
vômito contido.

O mais é deixá-lo
gemer à vontade.
Muito

Entre nós - Guilhermino Cesar

Do absurdo a poesia
vem
se a lógica não lhe tira as asas
- ou Vossa Mercê espera a poesia enterrada
no abismo
de uma cartola?

Só o absurdo pode explicar o que
a poesia jamais acabou de escolher
o que ela não quer achar
para continuar a ser.

Muito antes da manhã - Guilhermino Cesar

Muito antes da manhã, o poeta,
animal astuto,
pula da placenta para ver o mundo.
As abelhas lhe oferecem
prazeres hindus no abdômen de uma
rosa. O poeta se maravilha.
Depois, no leito de cimento, um cavalo no cio
Esmaga a distância, muito naturalmente,
com as patas. O poeta quase desmaia
de espanto.
E grita: - Onde os pró-anjos?
Mas como não existem pró-anjos, em seu auxílio
salta a cozinheira ostrogoda,
toda besuntada de óleo de baleia.
O poeta, coitado, foge para Pequim,
mas no caminho encontra o absinto
sob a forma ogival de uma polaca
vesga.
Ora bem. Toma o primeiro jato
para a Tasmânia – dizem-na tranqüila.
Ali desembarca, cheio de bugigangas,
num avião de plástico.

Animal astuto, o poeta.
Oculta no espaço
a ignorância de si mesmo.

Viver no ácido - Guilhermino Cesar




Viver no ácido é o meu sistema.
Não que o tenha construído
eu.
Recebi de presente, não sei como.


É um modo de morrer se esfarelando.


Ilustração Altamir Soares

Soledade - Guilhermino Cesar

Cem parelhas de bois; cem mercadores núbios;
Cem prostitutas do Mangue, há muito enterradas
na areia de Copacabana: cem lagartos de língua
pensa; donzelas (cem) com seus véus e a sua
gula de mais vida: cem velhas de Erexim nas
pirâmides do Egito; cem loucos furiosos e cento
e dez besouros num só quarto. Cem magnólias
ao luar de algum lugar; um sapo, um sapo, um
sapo.
E o homem?
Viver

16 de junho de 2008

O defunto - Guilhermino Cesar


O pijama suado
esconde no armário
o trabalho da morte.
Deixou nome, deixou filhos
deixou casaco de couro
e pote de brilhantina.
Deixou pátria, deixou cheques
(serão pagos, não se assustem),
deixou bermuda vermelha.
Deixou ainda:
Sabão (escassos) na pia
máquina de barbear enferrujada
livro aberto
boca fechada.

E ainda: cuecas
sapatos de rua e de festa
um colete azul-ferrete
a caspa
o cheiro
os pés inertes

Na conta corrente encerrada
(veja a briga da família)
um corpo lavado
que tarda.
Ilustração Altamir Soares

Campeiro de Minas Gerais - Guilhermino Cesar





Campeiro mulato de sol
Você que dormiu
sem medo de bruxos, sacís-pererês
botando a cabeça fervendo de amores
no couro estendido...
Você não ouve ali perto
de dia de noite
a barulheira da boca da mina?

São filhos da nossa terra também.
Largaram a boiada no morro
serenatas nas ruas familiares
e foram pra noite de ferros tinindo
procurar a lua de metal
escondida nas montanhas duras
saltando depois nos cadinhos...
Você não está ouvindo o ruído dos pilões na baixada
triturando a pedra que vem do fundo
nos vagonetes ligeiros ?

E aquele suor que os companheiros estão suando...
A gente pensa que é sangue
mineiro campeiro!
Eles deixaram a casa sonhando riqueza
e agora estão magros e feios.
Como você dorme bem
cansado das lidas campeiras.
Eles nem podem dormir sossegados:
a mina não fica sozinha um momento.
Mineiros que saem
mineiros que vêm
as máquinas sempre rodando.

Campeiro queimado de sol
vai ver o trabalho dos seus companheiros
nas galerias de ar frio
na noite constante!
Mineiro das minhas Gerais
você não acorda?
Vai ver o trabalho dos outros mineiros
dos mineiros-mineiros enterrados na mina
ouvindo os patrões em fala estrangeira

Ilustração Altamir Soares

28 de maio de 2008

15 de maio 1908 - Cem anos de Guilhermino Cesar



Guilhermino Cesar

Cem anos do nascimento do

maior poeta gaúcho de Cataguases

Uai!


Uai! é o que se diz, se o tempo vai
ou fica preso em nós, e lastimável.
Uai! para a manhã, o outono, o espasmo,
para os muros da infância e o amor sumido.
dizer uai! uai! agora, e nunca
dizer senão uai! aos que fugiram
tempos do mesmo uai! desirmanados.



Ilustração Altamir Soares

26 de maio de 2008

Ainda mais - Francisco Cabral



Escrevo a língua do meu avô
e tenho a sua cara
no espelho fugidio onde busco
as marcas do que eu sou.

Vejo o rio passar
Os peixes das palavras boquejam espuma e água suja
no sulcado perau dos versos
o poema flui arrastando em sua calda
a mudez dos afogados e os gritos
dos pescadores de areia.

Um passo atrás, que eu possa ver
essa procissão que se arrasta
desde muito antes do ano de mil
novecentos e trinta,quando eu mesmo
vazei num jato de sangue e soro
e gritei pela primeira vez: eu
- e não, e nunca na verdade, fui ouvido.

Um passo atrás
que o sol está secando as chuvas do poente
um corpo vai-se atirar na direção do naufrágio
e a chama de uma vela
num barquinho sem leme
será enviada a procurá-lo

Escrevo a língua do meu avô
sem sua permissão,
por isso apenas busco seduzir
os fantasmas que me visitam
por isso venho até o rio
para olhá-lo nos olhos
e numa canção inaudível
berçar os seres amáveis que o habitam
e se coçam nas facas dos peixes

Vejo o rio passar e mal me vejo
enquanto envelheço à sua beira
A luz e o silêncio em mim sabem a vida
e enquanto respiro
tudo o que não entendo faz sentido.

*Francisco Marcelo Cabral

21 de maio de 2008

Desorientação - Emerson Teixeira

Não me fale mais no pós-moderno.
Não quero saber se há ligação
entre um microcomputador
e um sex shop.
Ora, deixe haver.
Se a massa consumista é melancólica
(posto que fascinada),
deixe ser.
Assim, você acaba por me deixar mais niilista
e, ainda que mal possa perguntar:
há mais alguma novidade no ar,
além desta folhinha que aprendeu a surfar?
Não ligue para os filósofos,
você é muito sensível.

Emerson Teixeira

5 de maio de 2008

Qual o verso? - Zeca Junqueira

O que pode mais:
o beija-flor ou o avião de guerra
a flor ou a bala
o beijo ou o soco
a passeata calada de branco ou
o chute gritado da rebelião?

O que realmente pode mais há muito,
muito tempo
o que pode mais?

Às vezes me sinto tentado a trocar a caneta com a qual escrevo
(por vocação ou covardia, não sei)
por algo mais convincente – e contundente:
um porrete, por exemplo.


Zeca Junqueira

De volta a casa paterna - Emerson Teixeira

Esta sentença tem um gosto de epígrafe
e serve tão bem ao meu estado d’alma...
O meu relógio parou com os ponteiros andando...
De repente a vida não segue...
pararam todos os relógios?
É isto:
Hoje não estou aqui:
Ontem sim, estive lá.


Emerson Teixeira

2 de maio de 2008

Katchabadi - Antônio Perin

A Said Ghaffor
Mal recriada, favela de Islamabad
onde treme a dor do desterro
verões de febre amarela
cor de pele e fome
invernos tilintantes de gripes.
A alma nostálgica do exilado
Nosso país era lindo.
A dureza do campo de refugiados
É terrível a vida aqui.
Depois da soviética ocupação
irmão luta contra irmão
Alá jogou o talibã sobre o afegão.
Pragmático o velho com sabedoria
Problemas atuais somo imparciais.
Sempre o pior está por vir.


Antônio Perin

Said Ghaffor, refugiado de 60 anos, forte mas de ombros arqueados
e espessa barba branca, falando com jornalistas num campo de
refugiados no Paquistão. (Notícia de jornal 02.10.2001 )
Katchabadi nome do campo de refugiados mistura urdu falado no Paquistão
e pashtu falado no Afeganistão significa aproximadamente “mal recriada”.

Pela noite - Zeca Junqueira

Inspirado no poema
Fuga sobre a morte,
de Paul Celan
Por que a poesia de Paul Celan
não faiscou nas cinzas dele que desistia,
conduzindo-o assim para fora, das
cinzas ao carvão,
aquecendo-o até torná-lo brasa e fogueira,
por que a insurreta poesia não incendiou a noite de Celan
onde persistiam a tocar os escuros violinos e
branqueou o leite-breu que continuava a enojá-lo,
por que a palavra que vinha pela noite e queria brilhar
não ateou fogo na casa do homem que chamava os mastins, e
o tisnou, e aos seus cães, e ao campo todo
por que o levante da poesia não se deu e
não encheu a cova funda cavada no chão de Celan e
não esmagou a cabeça das serpentes da morte de olhos azuis
que o perseguiam, e
não o libertou, e não o livrou do veneno e do suicídio,
por que a poesia de Celan não o elevou das cinzas ao incêndio,
por que a poesia de Celan enredou-se no silêncio e entregou-o
enganada à cova grande nas nuvens onde não se deita ruim
- e onde em tempos já de paz (não para ele) Celan aceitou deitar
enquanto permaneciam tocando cada vez mais escuro em sua
alma os malditos violinos?
Zeca Junqueira

Lendo Emily Dickinson - Emanuel Medeiros

Poderia ser 1830,
quando nasceste,
mas é 2008,
chuvoso domingo de março,
não publicaste livro em vida (o que menos importa).
“Ela chegou afinal, mais ágil porém a Morte
Havia ocupado a casa:
A pálida mobília já disposta,
Junto com sua palidez metálica” (...).
Só poeira e esquecimento,
nada dura,
Felicidade efêmera – ler teus poemas, Emily.
O domingo fluindo,
tempo: linha reta de eterna agonia.
Não existe presente, só passado.
Nem futuro.
A namorada de 1968 jaz num cemitério de aldeia.
“Empoeirado se mostra o mundo
Ao nos deitarmos para morrer”.
Sim: “Tão longe da compaixão quanto a queixa
Tão frio às palavras quanto a pedra.
Tão insensível à Revelação
Como se meu ofício fosse nada.”
O empenho diário é inútil?
(Para os outros.)
Ah, cidade que me atirou seu presságio
adverso.
Terá termo a espera?
Deve-se matar a morte que sobre nós se abate.
(Peço desculpas aos poetas que pilhei:
confluências.)
Aqui jaz a inocência:
a morte não existe, nós é que morremos.

(Brasília, março de 2008)



Emanuel Medeiros (Brasília DF)

20 de abril de 2008

Meu reino por um cavalo... - Emerson Teixeira

...alado:
a vida inteira só fiz
castelos no ar.


Emerson Teixeira

Um poema de Antônio Perin


Mulheres de Rosenstrasse


A ação heróica não é inútil
Ainda que a não violência pareça fútil


Não sei de que lado está
não sei o quanto dista
do portão de Brandenburgo.
Nunca fui a Berlim.
Falam de um parque desconhecido,
de um monumento
cor de terra – Terra de Berlim?

Numa distante semana alemã
mulheres lutam por seus maridos
em uma pequena praça de Berlim
imóveis, irredutíveis, não arredam pé
dia a dia diante das baionetas nazistas
desafiam e calam suas metralhadoras
A Gestapo com seus coturnos brilhantes
recua e cede. Foram derrotados.

Berlim! Berlim! Berlim!
Não nos deixem esquecer
as mulheres da Rosenstrasse.

Antônio Perin

8 de abril de 2008

Comparação - Janaína Ceribelli

Observe os pardais
na areia:
Eles são ferozes
E entram
pelas nossas janelas
pra catar migalhas
que caem de nossas janelas.
E nós somo ferozes
espantando pardais
com vassouras
espantando crianças
sujas de areia.

Janaína Ceribelli

4 de abril de 2008

Rio Pomba - Antonio Jaime

nesse rio – trás-os-montes
já dantes navegado
pelos camões locais
(que os há – de toda sorte)
ouso – de minha parte
lançar os meus anzóis

e repescar lembranças
seu belo riozonte
a ponte velha – lá
como que flutuante
ao pôr do pôr-do-sol
além do além – caramonãs

verão dado a enchentes
invernoverdespelhod’água
não obstante dejetos
até – um dia – um feto
de menina (meninos
eu vi) no areão – um amorto

Antônio Jaime Soares

1 de abril de 2008

O Anjo Morrison em Copacabana - Antônio Perin

A Zeca Junqueira
Não temo nada,
Não espero nada,
Sou livre!
Nikos Kazantzákis
No caminho do forte
águas lambem a areia
ao sabor da poesia
Drummond – roubaram-lhe os óculos -
contrito como num confissionário
ouve uma vaca ler Símiles.
Dentro do poeta em bronze
vibra o espírito de Morrison.

No meio da fortaleza escura
a guitarra delira feito lira
ritmando o rock-poema
ou seria um poema-rock?
Jim num raio demoníaco
explode em luz na escuridão.
Noite que cheirando a sal
lacrimeja a alegria da liturgia.

Antônio Perin

Meia Pataca - Chico Peixoto

*Chico Peixoto

De primeiro o lugar se chamava
Arraial do Meia-Pataca
Por causa de terem achado
Num corguinho que por aqui passava
Meia pataca de ouro.

Também nunca que acharam mais nada....

Imagino Cataguases
O que seria de você hoje
Si em vez só de meia-pataca
Tivesse mais ouro naquele corguinho....

*Francisco Inácio Peixoto(Cataguases 1909 - 1986)

27 de março de 2008

Convite do poeta Claudio Sesín


Nosso grande amigo e poeta Claudio Sesín convida a todos para o lançamento de seu próximo livro no dia 10/04/2008. Aqui no blog tem um poema dele "Columna de Fuego"

24 de março de 2008

O Grande Hotel - Emerson Teixeira

Esse Grande Hotel dos Viajantes
em outros tempos viu dias melhores.
Tinha janelas de vidro, porteiro de suíças
como o San Mareno da América
e o menu era em francês

Para onde foram levados seus tapetes vermelhos e caros ?
(o gerente vestia um príncipe Alberto)
a sua chaise longue.

Eu que nunca estive ali posso imaginar
que seu vasto salão de festas abrigava um violoncelo
e um velho piano de cauda para distrair os hospedes.

Que gosto clássico nos seus móveis de pinho de riga!
Suas linhas arrojadas eram um cartão postal.
Nada direi de sua cozinha fina que tinha uma carta de vinhos,
nem dos notáveis candelabros , sua clientela elegante e culta.

Mas a enorme fachada invocava valsas de Strauss e carruagens.

Esse Grande Hotel já foi tão belo...
mas uma fada má que se hospedou ali numa noite feia
pra seu esporte o transformou num monturo.


Emerson Teixeira

17 de março de 2008

Pedras que rolam não criam musgos

Uma homenagem a Alan Ginsberb
parafraseada de versos do genial Drumond  
ou Relendo Carlos Drummond


No caminho havia uma pedra.
Uma pedra rolou no meu caminho
musgos brotam na pedra do meu caminho
meu caminho é de pedras que já não rolam
levito a pedra, ou os musgos me levitam.
Oh poeta! Posteastes uma pedra no meu caminho.
Mas, o beat-zen drogado tira a pedra do meu caminho.


Antonio Perin

14 de março de 2008

Algozes - Zeca Junqueira

(Inspirado no poema Inexílio,
de Francisco Marcelo Cabral)
Eu também decido que nada,
Cataguases
nem a traiçoeira fala nem a fala estudada
a falsa hospitalidade
o desprezo pelos seus poetas de tanta doçura e
nenhum centavo
nada, Cataguases
nem as costas a mim dada pelo irmão na
permuta da fraternidade pelo dinheiro
pela cupidez que cerra o punho, ameaça e não reparte
nada
nem a troca da vida de coragem e para sempre celebrada
pela vida calada e triste que range os dentes e os ossos e
paga o preço da rendição
vida fedendo a cinzas e a velório
eu também decido que nada,
nem o meu longo exílio, meu perpétuo exílio
nem o medo de que a poesia não sustente a luta
de que o poema não triunfe e não acenda a noite e
eu morra louco e mudo no
escuro das suas ruas de tempo
nada, Cataguases
nem a ameaça de que um dia o amigo enjoe e
no meio do caminho o verso engasgue
o encanto quebre e ele se vá
eu decido que nada
nem a perda da única esmeralda que tirei de ti
nem as suas ruas agora sujas, as suas praças sujas,
a sua oculta gente suja, tudo podre, tudo passado,
tudo vendido e comprado
tudo estragado, tudo fodido
eu decido que nada,
Cataguases
eu decido que nada
nem o pior dos vermes
nem a pior loucura
nada do que se oculta e me assombra nesse lodo fedorento
que corre nas veias de seus algozes
vai me fazer
te amar menos.
Zeca Junqueira

28 de fevereiro de 2008

Água serpente - Francisco Cabral

*Francisco Cabral
Singrar o rio nos barcos de areia
abrindo a veia
do seu fluxo barrento.

Sangrar o Pomba para deter seu vôo
de quimera confinado às margens.

Despojar o rio das roupas de vapor
para vazar o visgo de seu clima,

Esgotar o rio Pomba para que revele
o ouro fino do leito, os saibros dos poemas.

*Francisco Marcelo Cabral

A casa morta - Antônio Perin

Em antigas noites adolescentes
entre perfumes de mangas e teias de aranhas
pelas frestas do soalho...
Luzes.

Sedas, cetins, brancas coxas
Nevoas de franceses perfumes
brilha o corpo da jovem capricorniana.
Olhos gulosos se lambuzam
em orgias voieristas.

A memória fantasmeia passado,
corre os quartos, porões e quintais
do velho casarão em cacos.

Ilustração de Altamir Soares

Antônio Perin

27 de fevereiro de 2008

O chefe - Ascânio Lopes

O valentão brigou com o chefe político
e então todo mundo se lembrou que ele era criminoso
e veio ordem da Capital para prendê-lo.
Os soldados se prepararam foram 30 jagunços para acompanhá-los.
O escrivão lavrou de véspera o auto de resistência à prisão.
Mas o bandido não resistiu abobado diante dos soldados da Capital.
e entregou-se docilmente.
Mas o chefe disse que era preciso matá-lo
pois o auto já estava lavrado e assinado.
Era impossível voltar atrás.

Ascânio Lopes (Ubá 1906 - Cataguases 1929)

É - se? Zeca Junqueira

O que ocorre no instante humano mais íntimo
em que do corpo a chama apaga e
esboroa-se a identidade,
o que é esse momento de tal ausência que torna o ser
irremediavelmente pretérito e incompreensivelmente longe
o que rege essa acachapante imobilidade
essa rigidez medonha que constrange o movimento dos vivos no
sarau da morte
o que se passa afinal no impenetrável instante em que o corpo cede?
É-se, então?
o momento é breu?
o instante é luz?
é magia?
terror?
agonia?
é traição cósmica?
é o nada?
o derradeiro silêncio divino?
é tudo jogado fora?
Esse maldito momento é o quê, meu Deus?!

Zeca Junqueira

Cata/catarse - Emerson Teixeira

Mário, poeta de tal
Ce ta errado, maioral
Cataguases é a única cidade alerquinal
Decifra-me ou defloro-te
Da velha estrada do horto
A reta do rio torto
Pomba
Bomba explode a pedreira
Guardar na memória tudo que for história.

Emerson Teixeira

21 de fevereiro de 2008

Passarinho - Janaína Ceribelli

Passarinho
tomou um tiro,
- Coitado!
Alguns dizem contrariados.
Outros se rebelam
contra tamanho ato de crueldade
- Oh!
E alguns pensam:
Quem será
que esqueceu largada
aquela espingarda de chumbinho
ali?!!

Janaína Ceribelli

Grande Circular (*) - Ronaldo Cagiano

Em meio
aos que vêm e vão
este circo de corpos
são o seu lar.


Motorista, cobrador
em constante homilia
desafiam milhas
de vida
em picadeiro ambulante.

No tênue fio das viagens
navalhas na carne
corpos que se cruzam
e corações que não se entendem.


A noite, ilha invisível,
é a única oferta:
estação provisória
para suas almas sem lar.

(*) ônibus que circula nas Asas Sul e Norte, de Brasília

Ronaldo Cagiano

18 de fevereiro de 2008

Cataguases -Ascânio Lopes

para Carlos Drummond de Andrade

Nem Belo Horizonte, colcha de retalhos iguais,
cidade européia de ruas retas, árvores certas,
casas simétricas,
crepúsculos bonitos, sempre bonitos;
Nem Juiz de Fora. Ruído. Rumor.
Apitos. Klaxons.
Cidade inglêsa de céu esfumaçado, cheio de chaminés negras;
Nem Ouro Prêto, cidade morta,
Bruges sem Rodenbach,
onde estudantes passadistas continuam a tradição das coisas
[ que já esquecemos;
Nem Sabará, cidade relíquia,
onde não se pode tocar, para não desmanchar o passado
[ arrumadinho;
Nem Estrêla do Sul, a sonhar com tesouros,
tesouros nos cascalhos extintos de seu rio barrento;
Nem Uberaba, nem, nem, cidades arrivistas de gente que não
[ pretende ficar.
Nã-o ! Cataguazes... Há coisa mais bela e serena oculta
[ nos teus flancos.
Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades
que nunca foram, que não cuidam de ser.
Não sabes, não sei, ninguém compreenderá jamais o que
[ desejas, o que serás.
Não és do passado, não és do futuro; não tens idade...
Só sei que és
a mais mineira cidade de Minas Gerais...
Nem geometria, nem estilo europeu, nem invasão americana
[ de bangalôs derniecri.
Tuas casas são largas casas mineiras feitas na previsão de
muitos hóspedes.
Não há em ti o terror das cidades plantadas na mata virgem.
Nem ramerrão dos bondes atrasados, cheios de gente apressada.
Nem os dísticos de aqui estêve aqui aconteceu.
Nem o tintim áspero dos padeiros.
Nem a buzina incômoda dos tintureiros.
Teus leiteiros ainda levam o leite em burricos,
os padeiros deixam o pão à janela (cidade mineira).
Teu amanhecer é suave.
Que alegria de ter só gente conhecida faz teu habitante voltar-se
[ para cumprimentar todos que passam.
Delícia de não encontrar estrangeiros de olhar agudo, esperto
[ mau, a suspeitar riquezas nas terras.
Alegria dos Fordes brincando (são dois) na praça.
(Depois vão dormir juntinhos numa só garagem).
Jacaré !
João Arara!
João Gostoso !
teus tipos populares.
A criançada atira-lhe pedras e êles se voltam imprecando.
Rondas alegres de meninas nas ruas, às tardes, sem perigo
[ de veículos,
papagaios que se embaraçam nos fios de luz, balões que sobem,
foguetes obrigatórios nas festas de chegada do chefe político.
Jardins onde meninas ariscas passeiam meia hora só antes
[ no cinema.
Ar môrno e sensual de voluptuosidade gostosa que vibra
nas tuas tardes chuvosas, quando as goteiras pingam nos
[ passantes
e batem isócronas nos passeios furados.
Há em ti a delícia da vida que passa porque vale a apena passar,
que passa sem dar por isso, sem supor que se vai transformando.
Em ti se dorme tranquilo sem guardas-noturnos.
Mas com o cricri dos grilos,
o ranram dos sapos,
o sono é tranquilo como o de uma criança de colo.
Vale a pena viver em ti.
Nem inquietude,
nem pêso inútil de recordações
Mas confiança que nasce das coisas que não mudam bruscas,
nem ficam eternas.

Ascânio Lopes (Ubá 1906 - Cataguases 1929)

12 de fevereiro de 2008

Estância nº 1 - Emerson Teixeira

Bastou a indecisão de uma vírgula

para que se perdesse o elo entre as palavras

e aí, por séculos e séculos

só se ouviu o tique taque nervoso do meu relógio


Emerson Teixeira

11 de fevereiro de 2008

Um poema de Antônio Perin


Cachoeira


Ao amigo do Vicente Costa

Lágrimas escorregam por entre seios sem mamilos

Explodem em cristais num fundo negro

Repousam silenciosas como quartzo na quadra seguinte

Pés sobre folhas e galhos secos tecem um lamento

Um falo amarelo estica-se sobre tudo com seus pelos verdes

Imponente o canibal viaja nas mensagens de sua canabis.

(Distrito da Glória – 21.07.2002)

Antônio Perin

17 de janeiro de 2008

Ao outro Cabral - Antonio Jaime

bem uns duzentos anos
pós corrida do ouro
de novo garimpouros
a exaurir o rio pomba
não de todo sem lucro
pode provar – no papel
francisco marcelo cabral
o homem que sabe tudo
basta só um exemplo:
poeta – no seu entender -
é o que puxa a cadeira
a poesia é o tombo
ouve troqueus no jorro
da torneira – anapestos
no ralo – pensa em verso
e – ao escrever – sai ouro

Antônio Jaime

Inexílio II - Francisco Cabral


*Francisco Cabral


Todo poema é celebração
mesmo não lido.
Todo poema é de amor
mesmo perdido.
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido

*Francisco Marcelo Cabral

Cena de uma rua afastada - Ascânio Lopes

Para Martins de Almeida


A solteirona fechou as janelas com estrépito.
Uma mocinha da escola normal passou firme,
[ sem olhar.
Um senhor gordo disse que era uma pouca
[ vergonha
e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
às pedradas dos garotos,
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê
[ (meio sangue) do sr. Fagundes
continuaram impudicos no meio da rua.



* Ascânio Lopes (Ubá 1906 - Cataguases 1929)

9 de janeiro de 2008

Poetas - Zeca Junqueira

Dedicado a Allen Ginsberg
e aos cronistas da Casa da Rua Alferes

É preciso extrair a seiva da poesia,
reduzir o verso ao mínimo,
à emoção pura
palavras nuas e essenciais, sem nenhum pudor
não escondam a loucura.
De que servem nossas vestes de poetas, nossa obscura linguagem,
de que serve o nosso falseado ritmo se no tempo de uma linha,
no tempo em que soberbos escrevemos versos – só versos,
ratos e baratas bebem sangue inocente nos esgotos das cidades?
Fazemos poesia e vista grossa à injustiça e à covardia?
Não escondam a loucura
dêem o nome certo, apontem o dedo, mostrem, escrevam nas ruas,
escrevam nos muros, nas portas, nas janelas, na pele, na ira e no desânimo das pessoas,
escrevam onde todos possam ler – reconstruam a esperança.
Que a poesia seja bem plantada e colhida publicamente em jardins reinventados
que a beleza rompa o silêncio dos livros, a inércia das estantes,
a futilidade dos títulos e aplausos.
Poesia é rumo, pois que oriente
poesia é pão, pois que alimente.
Não escondam a loucura.

Zeca Junqueira

As estações - Aloísio Tico Tico

Numa noite de 1984, em Ubá

Às vezes os velhos amigos me perguntam
Porque não canto agora e nem sorrio
Com a loucura harmoniosa de outrora.
Eles não percebem, ou não querem ver,
a obra profunda e misteriosa das horas,
o labor dos minutos e o prodígio dos anos...
É que eu, como as árvores mais jovens,
produzia, ao sabor da brisa primaveril,
um vago e ditoso som, semelhante talvez
ao ruído do vento quando acaricia
a cabeleira verde das árvores serranas...
Mas já passou aquela quadra amiga,
levando em suas asas o riso juvenil e terno.
É tarde já, e se aproxima o inverno...
Deixem portanto que este coração
se mova agora ao som das tempestades.

Aloísio Tico Tico

8 de janeiro de 2008

Símiles - Emerson Teixeira

A clausura das palavras em seu estado dicionário,
a solidão dos cemitérios quando não há enterros,
o silêncio das igrejas e monastérios,
a desolação das ruas quando faz frio e é noite,
o sono do trabalhador que descansa do que faz...

Tudo lembra a paz do serviço público após o expediente,
o silêncio completo de suas salas com ar-condicionado
desligado.


Emerson Teixeira

Resquícios - Ronaldo Cagiano


Nas águas do velho rio
navegam barcos da infância
que lancei rumo às estrelas.

Ah, como dói saber
que o menino ainda sobrevive
na espera infundada dos sonhos.

Sobre o beiral da ponte
que atravessa a cidade,
perco-me no espelho que me espia
e diviso outras miragens.

Onde ancorei a esperança?
E em que ponto naufragou a utopia?

Indago às novas torrentes,
mas o murmúrio do leito imune aos meus apelos
denuncia o imponderável que há nas coisas.

Volto-me para a retaguarda de fastios,
meus olhos testemunham ruga e mofo
e em todo o canto algo deduz que o tempo,
esse mar adiante das remotas águas,
engoliu a minha história.

Ronaldo Cagiano