29 de junho de 2010

Cataguases



Foi ontem,
o jornal noticiou a tragédia:
Cataguazes morreu!


As sanhas do vulcão dilatam o orgasmo.
Incesto da alma que repousa no teu colo maternal.


Homens e mulheres rodando a praça
como um carrossel divergente.
O que procuram entre cinzas e escombros?

A praça Rui Barbosa,
Escapou-nos, assim assim
as formas frágeis do menino esvazie-se.
Onde? Em mim.

Havia brasões em famílias sem realeza:
o mural Inconfidência Mineira, de Portinari,
as obras de Burle Marx, Joaquim Tenreiro,
Djanira e Bruno Giorgi,
o filho da Dona Cidinha,
o flautista, como aquele de Hamelim,
o velho Pagé, carpideiro,
as Marias devotas de Santa Rita de Cássia,
e o Colégio Cataguases, de Niemeyer.
Há de haver um esconderijo para o medo.

Carpinteiros, sobreviventes, marcham em passos lentos
num lamento: são os cupins! São os cupins!
Gemiam os altofalantes da sede municipal.
Depois da grama sobre o presente passado,
o silêncio...

Cataguases morreu?
Vestirei o luto,
enquanto neste tumulto submerge o berço.
nas lágrimas uma vigília de ossos.

Comala mineira.
Há almas flutuando
sobre ruas e avenidas,
cavando túmulos,
jantando seus mortos,
com a avidez de um famélico.

Os mortos falam, deixam cantigas, ditam romances,
afagam as frontes,
esperam o futuro, como em Macondo.

Ainda há ourovida nessa Minas?

Escuto rumores, enquanto agonizo:
Cataguazes morreu, Cataguases?

Cataguazes! Cataguases!
as águas do rio Pomba
lavam todos os templos
enquanto permaneço.



Eltânia André (São Paulo - SP)

A mão que escreve o poema



Minha mão que escreve versos
Sabe lá o que faz minha mão

Vós que ainda sois capaz de condenar a poesia
perdoai a mão

A mão que escreve o poema
obedecendo a razão.


Foto de Humberto Ribeiro

Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases - MG)

22 de junho de 2010

Autoretrato

Quando nasci, uma parteira,
dessas que nos inauguram
na febre dos dias, disse:
Vai, menino! ser alguém no mundo,
saia de Cataguases
para não ficares menor que ela.

Contemplo a sentença
da ampulheta:
em tudo há urgência
e sinais de partir,
apesar da gente vagarosa do interior
do provincianismo das conversas imutáveis
da mediocridade dos que enterram a solidão
numa mesa de bar
com seus copos cheios
e suas histórias vazias


que há tanto cansaço e maldade
e que apenas duas mãos
são insuficientes
para suportar o peso dos sentimentos
e a carga abissal mundo.

Meu coração inquiridor
conheceu bem cedo
as fraquezas de Deus
a hipocrisia das religiões

e o susto de viver
- muito mais vasto que toda a fé -
ensinou-me a rimar
indigência com desamor.

Não, não havia solução
apesar do coração vasto
e de sua ciência em reconhecer
a verdade
o luto
o conhaque
o diabo
a política
a globalização.

Alguns anos vivi
em Minas
outros tantos
(que me deram régua e compasso)
passei em Brasília,
mas foi dentro de mim
nas entranhas férreas
da alma incontida
que descobri
a explicação farta da vida:

a flor no asfalto
a náusea do existir
abriram o mar vermelho
de minhas dúvidas
para que eu saísse
do cativeiro das idéias prontas
e da moral obesa e sonolenta
dos que dividem as coisas
em impiedade e santificação.

Não tive ouro nem gado,
muito menos fazendas
mas sinto-me mal e compulsório
nesse rebanho catatônico,
nesse curral de bancários
em que me lançou o destino.

Em vão, falo de livros e filmes
em vão vejo meus colegas adormecerem
quando o assunto é Kafka ou Truffaut.
Ou se falo de Fellini ou Thomas Mann,
provoco um 11 de setembro
em suas passivas e alienadas
consciências,
pois seus horizontes não passam do
Maracanã ou
dos circos de pagode.

Esse lugar em que me (des)habito
fronteiriço do hospício e do calabouço,
é uma Itabira pesada demais,
a pedra no caminho
de josés sem agora.

Trabalho com engulhos
nesse mundo coisifcado e caduco
e se a orquídea e a caliandra
ainda sobrevivem
ao agreste desterro
ou às cinzas do passado,
para ressuscitar nos jardins de Laura,
é porque nos meus olhos a revolta
tem a carga de uma bomba
apesar de tantos problemas
emergirem sem solução
regidos força do impasse.

As pessoas continuam as mesmas,
em São Paulo ou Istambul
às margens do Bósforo
ou ao largo do fétido Pomba
no aislamiento da Patagônia
ou numa agreste Catamarca:

sem a mínima esperança
de passar o Jordão
ou colher o pão dormido
na já desbotada antemanhã.

Os homens de negócios
seguem com seu espírito,
convictos mas esquálidos,
não leram Joyce
nem sabem que Maiakovski
prenunciou no Brasil
a existência do único cidadão feliz
mas eles continuam tão certos de suas cifras
enquanto a safra de idiotas
engorda o mundo
e não sentem remorso
paixão
nem pânico
e prosseguem sem nenhuma ênfase.

A noite chega novamente
mas ela é anterior aos meus cansaços,
a ruína dos ossos
não me impede de andar
de mãos dadas
com um grande amor.

É preciso dinamitar a realidade
que nos suicida a cada dia
e instaura a trôpega
imaginação dos moribundos.
Ronaldo Cagiano (São Paulo- SP)

15 de junho de 2010

O RISCO DA NOITE



Ante os meus olhos transidos



dos cavalos das trevas


como brasas sopradas


saltam faíscas e cinzas




O hálito espesso

de alcatrão e enxofre


em suas narinas expele


astros em extinção




Impossível não ver


em suas crinas lutuosas


o aço da noite


se oxidando em sangue


como um sol coagulado.




Fosse um sonho e a cera baça dos móveis


acenderia os carvões


como a arandela no breu


desperta adagas e anéis




Inútil proteção,


os pijamas de lã se agitam


ao forno do vento


que açula as bestas noturnas


e seca nosso suor gelado.




A que horas nasce o dia? pergunto a meu irmão.



Quando a noite arrastada


por esse cortejo de animais soturnos


se afastar coroada


pela negra lua nova.




Desperta, vai.


Sombras geram sombras.


E janelas sem vidros


não protegem a cegueira


do risco de ver


esses corcéis desalados


sujos de fuligem e medo..




Olha agora


que um fio dourado se desenha


na soleira da porta do quarto.




Do livro inédito - De Campo Marcado




Francisco Marcelo Cabral (Rio deJaneiro - RJ)
Foto de Humberto Ribeiro

2 de junho de 2010

Emigrados

Emigrados:
seremos sempre,
emigrados.

Em busca de outro mar,
da última ilha,
seguindo os pássaros,
atrás do último pássaro.

De um mar a outro,
de uma ilha à outra ilha,
e, então, dormiremos,
uma noite sucedendo-se à outra.

(Brasília, 9 de outubro de 2008)

Emanuel Medeiros Vieira (Brasília – DF)

Astrolábio

Para Lucas, meu filho

A bússola e o astrolábio:
velas ao vento.
Existe outro Bojador nestes mapas
interiores?
Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.

Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.


Emanuel Medeiros Vieira (Brasília – DF)

Orla


Era uma vez grande
orla branca no amarelo
suspensa em verde haste


Bem acima da infância
a quem faltam palavras


Da orla se vê o chão
grãos de tudo se vêem


Era uma flor uma vez
chamada margarida


Diferente da rosa, era só flor
nada mais se via nela
criança branca e amarela
chama o vermelho do sol


Também amante da terra
marrom, raiada de brilhos.


Água, incha margarida
orgulho
borbulho
tibum da margarida


Agora, grande crescida
fazer o quê do mundo?
Flausina Márcia da Silva (Cataguases – MG)