8 de junho de 2011

Vanir: Pássaro noturno

Lembro-me de ti, amigo,
descendo ladeiras, matadouros,
seguindo avenidas, enfrentando labirintos,
para encontrar o belvedere
próximo à bomba d’agua,
e ali edificar teus sonhos,
contabilizar teus segredos.

Por que não sorves mais uma colherada daquela sopa,
que agora esfria no fogão?
Tens pressa, amigo,
para seguir com o rio
que corre nos fundos do quintal?
Leva contigo as dores e a velha canção de amor!

Deixes o sangue que renovavas
à medida que alongava os passos,
liberta-te da carga tóxica:  avesso do rio.
Lembro-me do teu andar despido
e tuas mãos entrecruzadas nas costas,
enquanto vislumbravas pequenos tesouros
às margens dos paralelepípedos.

Teu assovio reverbera
onde não há mais palavras,
nesse lugar inominável chamado ausência.



Mas o amigo, deitado sobre o volumoso diário de su’alma,
seguiu o curso metafísico do adeus.

Tão enigmática era a leitura,
 nem mesmo a deusa Jose
penetrou o insondável de tua alma.

Enquanto avançavas
rumo ao desconhecido
 na extensa reta à sua frente
ao  teu lado galopava um menino,
para recolher-lhe o corpo.
Assim despido, leve, como a hóstia divina,
num impulso, alçou seu voo noturno.

Voa, pássaro noturno,
 Tens nas mãos o teu destino: ser ave de junho
nesse dia que nunca acaba.

Mas sei que enxugas as lágrimas de Jose,
Ela ficou sozinha no castelo,
ainda não lhe nasceram asas.

Lembro-me de ti, meu amigo,
daquele raro sorriso que davas
ao final do dia,
gargalhada austera contra os mistérios da morte.

Escuto seu assovio, enquanto
 todos nós, junto com Jose,
maldizemos a noite que
caiu sobre  teu corpo
como um feixe de punhais.

E na curva desse Lete
em que se transformaram tuas artérias,
 tudo agora é memória e saudade.

Amanhã também direi: lembro-me de ti, pássaro noturno,
Ave plural na imensidão do etéreo.

Eltânia André Escritora, nascida em Cataguases. 
Autora do livro de contos: : Meu Nome Agora é Jaque