17 de julho de 2008

A máquina parada - Zeca Junqueira

Os pingos doem nos nervos como lâminas de gelo:
- chove escuro pesado triste no fim da tarde no
centro da cidade: - é por dentro que chove

chove sujo como baldes de
água ruim jogada de qualquer jeito em cima do
formigueiro humano: - vozes abafadas espasmos
buzinas
latas de gente encalhadas como estranhos
navios sem origem e sem destino na
superfície negra alagada do asfalto.

Tudo estacado:

é como se uma gigantesca máquina invisível
houvesse deixado de funcionar de repente
sem ter sido programada para isso:
- as engrenagens descobertas parando num estrondo,
resfolegando, soltando fumaça, o motor rugindo abafado,
silenciando-se,
o Moloch imobilizado no aguaceiro no
centro da cidade assustadoramente visível
parado
perplexo
afogado.

Chove como se o céu chorasse no centro da cidade.

Zeca Junqueira

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