23 de junho de 2009

Ronaldo de Melo

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Um poema


*Francisco Inácio Peixoto


Na ponta da rua precisamente suburbana
um homem sofre de angina-pectoris e morre.
Para vós que não o conheceste
É mister, em lágrimas no entanto insofismáveis,
Balbuciar este nome: Mário.
Ai! não me pergunteis mais nada
que ao verso meu, duro e esquivo,
traria um urgente insulto, a palavra áspera.

Deixai que chore, embora continueis ignorando.
Deixai que relembre e chore.
Mas apressai-vos também não vos detendes se quiserdes
guardar o último gesto das mãos enormes,
o último sorriso da boca enorme
Na Rua Lopes Chaves um número se dissolve,
uma casa se dissolve na bruma paulistana.
Das paredes somem-se quadros, os livros desaparecem
das paredes imponderáveis.
Em frente, a máquina portátil ainda guarda a
[palpitação da última poesia ou talvez derradeira
carta.
Se subirdes a escada estreita, vereis depois que não
[há mais escada
só o tropear dos pés aflitos, e as caras que
[indagam sem compreender.
Tudo se evola, mas permanece em nevoa espêssa
[a angústia impressentida
e dois sonos subitamente desamparados do amor
[enorme
das mãos enormes.
A hora morta a paisagem submarina
recebe em seu seio como uma estranha flor de coral
o caixão imenso que flutua,
que flutua na concha noturna de algas desfeitas.
Solitário é agora nosso passo na Rua do Gazômetro.

Solitária e triste é nossa sêde nos bares insones.
Embarquemos na Estação da Luz ou na Estação do Norte
que norte não há mais, nem luz
para o nosso súbito deserto.

Publicado em O Jornal em 08/04/1945 (Domingo)

*Francisco Inácio Peixoto
(05.04. 1909 – 08.01.1986)