8 de outubro de 2009

Ciclo

Para Claudio Sesin
Ronaldo Cagiano


Enquanto o cortejo seguia
em meio aos gestos automáticos
das mãos que cerravam as portas

outros continuavam a vida
imunes à que passava,
despojada de sua última chama.

A cidade não seria diferente
porque amanhã
outras notícias viriam

e o rio no qual navegamos,

Tejo a repetir a lógica de Heráclito,

seguiria pontualmente
como o sangue em nossas veias,
entre urgências que se renovam.

Entre o solene despedir dos mortos
e a maquinal dor dos vivos

a criança se demorava
num olhar pensativo e inquiridor
rumo ao insondável.

E percebia,
ainda na antemanhã de sua existência,
que viver é um lento aprendizado de
extinção.
*Ronaldo Cagiano (São Paulo SP)

7 de outubro de 2009

Nós

*Terezinka Pereira

Nós que escrevemos no papel,
no computador, no guardanapo,
no recibo do mercado,
no cantinho do jornal,
no prato e nas arvores,
nos que falamos ao vento
com voz de poesia
e palavras de pedra
somos incansaveis
transeuntes da noite,
nomades sem sono
loucos e defeituosos
bruxos descuidados.
Nos vamos sonhando
e seguimos acreditando
no poder do amor.

*Teresinka Pereira (Blufton - Ohio EUA)

22 de setembro de 2009

O fruto

Shigueyi Tsuboi
De muito longe vem esta tormenta
que dissipa o último calor do verão
Um azul ultraterreno
nos chega através do firmamento
enquanto o novo espírito
se prepara dentro de nós


Rapidamente amadurece o fruto
e quando vem a noite,
zumbem os insetos como se tratasse de uma
festa
ou como se estivessem orando.

Enquanto o tempo se amontoa sobre o tempo.

giram no alto as estrelas
e o movimento dos corpos celestes
encontram eco em meu sangue.
Um fruto amadurece lentamente em meu coração.
Eu não conheço sua doçura,
Só sei quão dura e amarga é sua semente.
Tradução de José Antonio Pereira

16 de setembro de 2009

Uma Tanca

Masaoki Shiki

Nas agulhas do pinheiro
cada longo espinheiro
capta uma gota de sereno
mil pérolas que se equilibram
trêmulas, nunca caem.

Tradução: Emerson Teixeira

15 de setembro de 2009

Poema

As casas flamejam porque partiremos
para nunca mais voltar
Guillaume Apollinaire
Gustavo Rosendi
Cada noite se levantam
uniformizados de musgo
desde a terra parturiente
contemplam as luzes do cais
e ainda sonham
em regressar algum dia
cheirar de novo o bairro
e correr até a porta
da casa mais triste
e entrar como entram
os raios de sol
pela janela
na qual ninguém mais
se detém a olhar
onde mais ninguém
espera a alegria.
Tradução: Ronaldo Cagiano

10 de agosto de 2009

Resistência a Cataguases


*Leonardo de Paula

Ponte velha,
Fábrica velha,
Pracinha da Fábrica velha
Que velhice é essa?
A resistir aos anos
para nascer todos os dias para a vida.

*Leonardo de Paula Campos (Cataguases - MG)