20 de abril de 2009

Os últimos dias de março


*Eric Ponty

Dá-nos alento ao perceber
que em alguma parte do mundo
devem existir pessoas corretas
pela honra e civilidade abrolhada
um jovem ou rapaz que nunca leu
Rilke ou desconheça-se deste lirismo:

Que acredite liberdade ser possível,
liberdade não: por ser em muitos lugares,
não tenha única verdade, esta sua,
do princípio adquirido pelos humanos,

O rapaz está ali de pé entre as flores,
resmunga-nos em sua juventude,
pronuncia-se à vista deste mundo,
sonha em seu sonho um sonho frágil,
não o conflito da Palestina ou Botsuana,
ou qualquer outro denominado medo
onde este céu verteu-se em morte;
onde as flores inclinam-se ao direito
perfumes, texturas azuis, manhãs alvas:

Que acredite ser o dom natural seu,
de médico, poeta, artesão, ascensorista,
porque é dele este sonho icario;
não meu por não mais ter vago sonho,
pela honra e civilidade embotada
acredite existir pessoas virtuosas,
um jovem ou rapaz que nunca leu
Rilke ou desconheça-me no lirismo.
*Eric Ponty ( São João del Rey –MG)

Maria Lavadeira

*Francisco Inácio Peixoto

Maria Lavadeira
Da beira do córgo
Estende roupa no varal
Bate roupa na pedra
Lava roupa dia inteiro
Sem descançar...

Ah! vida escomungada...
um diluvio de filhos remelentos
O marido levado da bréca
A casa toda escorada,
Com a imagem suja
De Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Pregada do lado de fóra da porta...

Bemdita Nossa Senhora
Que não deixa a casa da gente cair!

Antigamente Maria Lavadeira
Inda passava o tempo melhor.
Veiu a danada da bexiga
Estragou com éla
Não dando mais gôsto pros outros
De enganar o marido déla...

Ah! Maria Lavadeira
Assunga a sáia
Atóla os pés no berro preto
Da beira do córgo
Estende roupa no varal
Bate roupa na pedra
Lava roupa dia inteiro
Semana inteira
Sem descançar
Sinão teu marido
Te xinga te bate
Te bate no lombo...



*Francisco Inácio Peixoto
Cataguases - MG
(05.04.1909 - 08.01.1986)

9 de abril de 2009

Poêma

*Francisco Inácio Peixoto
Você menina de-já-hoje passou
Um mundo de vezes na minha rua,
Se lembra direito?

Você menina passou
Olhando desejosa pra um lado, pra outro
Assim como quem quer...
Querendo o quê?

Diz que você te mesmo mania...
Não tem sofrimento de viver em casa:
Fica na rua...
Fazendo o quê?

Si você soubesse
Que delicias gosadas eu calcúlo
Ezistirem em você...
Sabe não?

Quando você chegou na esquina
E se deu na vontade
De cocertar sua meia,
Me viu na janéla
Ou se esqueceu que meua avós
Eram tupinambás?
Se esqueceu?

*Francisco Inácio Peixoto
Cataguases - MG
(05.04.1909 - 08.01.1986)

8 de abril de 2009

Meia - Pataca

*Francisco Inácio Peixoto
De primeiro o lugar se chamava
Arraial do Meia-Pataca
Por causa de terem achado
Num córguinho que por aqui passava
Meia-pataca de ouro.

Tambem nunca acharam mais nada...

Imagino Cataguazes
O que seria de você hoje
Si em vez só de meia-pataca
Tivesse mais ouro naquêle córguinho...

do livro Meia Pataca(1928)


*Francisco Inácio Peixoto (05.04. 1909 – 08.01.1986)
Autor de Meia Pataca, com Guilhermino César - Dona
Flor, Passaporte proibido, A janela Chamada geral e Erótica

05 de abril de 1909 - Cem anos de Chico Peixoto

Francisco Inácio Peixoto nasceu em Cataguases no dia 05 de abril de 1909.
Escreveu e publicou Meia Pataca (poesia) com Guilhermino César em 1928, Dona Flor (conto) 1940, A Janela (conto) Passaporte proibido (romance e novela) 1960, Erótica (poesia) 1981, Chamada geral ( conto) 1982; traduziu o romance Oblomov, do russo Ivan Alexandrovitch Gontcharov 1966. Seu nome está intimamente ligado à arte e à arquitetura moderna na pequena Cataguases. Foi um dos integrantes do Grupo Verde, de poetas modernistas e um dos mais importantes articulistas da Revista Verde, uma das principais revistas modernistas da década de 20 em Minas Gerais.
Em 1940 contrata Oscar Niemeyer para projetar sua residência e em 1945 o Colégio Cataguases. Participaram destes projetos o paisagista Burle Marx, Joaquim Tenreiro com o mobiliário. No Colégio, também participou Candido Portinari com o painel “Tiradentes”. A partir daí diversos outros edifícios modernos são construídos na cidade.

2 de março de 2009

Palestina

Baha Boukhari

A poesia é desde os anos oitenta, o gênero da literatura palestina que mais circulou entre nós, para sermos sinceros pelo menos entre nós aqui do Chicos foi o único. Ela nos chegou através do livro da Achiamé – “Poesia Palestina de combate”. Nós, como dizia a letra do rock, éramos tão inúteis que nem votávamos para presidente. Era uma poesia que nos envergonhava. Eles tinham a coragem de lutar com suas palavras por uma pátria sem solo, enquanto nós silenciávamos diante de nossos ditadores. Como não se solidarizar com a combativa poetisa Fadwa Tuqan sobre quem Moshé Dayan disse: “Seus poemas eram mais subversivos que dez atentados.” Com o passar dos anos nos livramos de nossa ditadura. Os palestinos, ainda sem pátria, continuam vivendo até os dias de hoje seu martírio. Para sermos solidários e também protestarmos contra a estupidez e intolerável carnificina que se abateu sobre a Faixa de Gaza ( قطاع غزة . em árabe) postamos alguns poemas aqui no blog.


Baha Boukhari é um cartunista palestino que trabalha para o
jornal Al Ayyam. Em seu site há mais de uma centena de
caricaturas sobre a ocupação israelense. Infelizmente, não há
tradução dos textos em árabe.
http://www.baha-cartoon.net/

O médio do oriente é o meio do inferno - Antônio Perin


Eu sou o santo, rezando no terraço, — como
os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina.
Artur Rimbaud

Milenar e insana terra santa
onde generais imolam em altares
imaculadas ao deus da guerra
Crentes entre orações se matam
profetas circuncidam gargantas
meninos secam em seios mortos.

Poetas não fazem versos
explodem-se em bombas.

O inferno refletido no casco do míssil
é vermelho como o ódio dos olhares
Almas fogem de balas deixando corpos
que carpideiras oram num choro seco.

Onde está a poesia da fé?
Onde está o homem?
Onde está os cantares da crença?
Onde está Deus?

O Oriente médio é o meio do nada.
Antônio Perin