2 de junho de 2010

Emigrados

Emigrados:
seremos sempre,
emigrados.

Em busca de outro mar,
da última ilha,
seguindo os pássaros,
atrás do último pássaro.

De um mar a outro,
de uma ilha à outra ilha,
e, então, dormiremos,
uma noite sucedendo-se à outra.

(Brasília, 9 de outubro de 2008)

Emanuel Medeiros Vieira (Brasília – DF)

Astrolábio

Para Lucas, meu filho

A bússola e o astrolábio:
velas ao vento.
Existe outro Bojador nestes mapas
interiores?
Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.

Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.


Emanuel Medeiros Vieira (Brasília – DF)

Orla


Era uma vez grande
orla branca no amarelo
suspensa em verde haste


Bem acima da infância
a quem faltam palavras


Da orla se vê o chão
grãos de tudo se vêem


Era uma flor uma vez
chamada margarida


Diferente da rosa, era só flor
nada mais se via nela
criança branca e amarela
chama o vermelho do sol


Também amante da terra
marrom, raiada de brilhos.


Água, incha margarida
orgulho
borbulho
tibum da margarida


Agora, grande crescida
fazer o quê do mundo?
Flausina Márcia da Silva (Cataguases – MG)

23 de maio de 2010

Próximo à viagem

*Arturo Herrera


Aqui em meu quarto
restarão todas as coisas que
me acompanham.
Ainda que em minha escrivaninha
se abisme o último grão da vertical de areia,
continuará incessante em meu corpo.
No regresso, seu eu regressar, os livros terão algo de poeira.
A tarde se acostumará
à penumbra do silêncio.
Somente deixo minha ausência.
*Arturo Herrera
(San Fernando de Catamarca Arg.)
Tradução Ronaldo Cagiano

Fim das ruas

*Arturo Herrera


Morre a numeração cansada;
este é um limite. Daqui,
o horizonte prolonga a solidão de areia.
Uma chama pestaneja pelas noites,
ilumina um pedaço de pão compartilhado.
Todo possível ruído
foge em silêncio;
só os cachorros adoram a lua.
O frio trêmulo lastima a pobreza
e já é desprezada a bela chuva
pelo seu costume de invadir as casas.
Morrer-se aqui é apagar os olhos
para não ver os sofrimentos.
Todos usam palavras iguais para o morto:
tem um rosto tão sereno.

Choro de uma criança nova!
Há outro herdeiro dos sofrimentos.
*Arturo Herrera
(San Fernando de Catamarca Arg.)
Tradução Ronaldo Cagiano

Amanhecer

*Arturo Herrera
As árvores vão tocar o alvorecer;
a folharada úmida já foi amada.
Aqui, embaixo, os murmúrios e ruídos;
a alma se estremece nas veredas;
ninguém reconhece os pássaros;
as flores vivem como a brisa quer
o espaço silente e a intimidade morrem.
A praça nos salva de algumas mortes.

*Arturo Herrera
(San Fernando de Catamarca - Arg.)
Tradução Ronaldo Cagiano

Irreflexos






A frescura lilás das violetas
frente às águas da tarde.
É crepúsculo nas trepadeiras da varanda.

A noite que chega mansa
transfigura os cicios das gotas
em vespas sobre as flores.

O coração alegra-se com as dores do amor
cravadas em sua forma
recortada em duas dálias rubras.

Levanta-se o forro do mundo
e a terra do céu
cai sobre a vida
– bálsamo do que se quebrou nas alturas.





Lina Tâmega Peixoto (Brasília - DF)