16 de outubro de 2008

De fininho

Dentro do elevador pela manhã
a caminho da rua (ai, meu Deus!)
penso nas minhas pendências proibidas:
desemprenhar no papel dois poemas que me
incomodam
como calo inflamado no dedo do pé
como cutícula solta no dedo da mão
terminar de ler um livro ora pela metade
cujo final ao longe me desafia os olhos e a paciência
rever dois filmes - Era uma vez no oeste e Fome de viver
(obras de arte)
que nada têm a ver com a nossa fome e o nosso jeito
faroeste de ser
penso ainda no elevador nas duas vidas que tenho para levar
na que fica presa no peito e por lá vai sendo esquecida
pela impossibilidade de crer e
penso apreensivo na real, na vida forçada de cada dia onde
tenho que pagar as contas e
os pecados que não cometi
onde tenho que manter a calma e
a educação, quiçá o bom humor
a boa convivência - ou a hipocrisia?
onde tenho que conter a ira e
travar a língua
onde tenho que fazer-me de trouxa e
ficar esperto e
esquivar-me da bala
esquivar-me da faca
esquivar-me do beijo
esquivar-me do outro
safar-me de tudo
onde eu devo ser ninguém
para conseguir sair vivo
de fininho
no final.

Zeca Junqueira

Um comentário:

figbatera disse...

Gostei muito!
É minha primeira visita aqui; voltarei sempre.
Parabéns!