4 de dezembro de 2009

Menino Abandonado


*José Antonio Pereira

Aquele menino pobre
que arrasta descalço
sua solitária tristeza.

Aquele menino magro
que estica a mão nua
de amarelada fraqueza.

Aquele menino sujo
é apenas o fruto
da alegria sem preservativos
de dois adultos.
*José Antonio Pereira (Cataguases MG)

Mensagem atrasada


*Teresinka Pereira

Para Mumia Abul Jamal

Minha mensagem
chegará
como um pássaro
cativo
do lado de fora
da gaiola,
procurando
comunicar
sua tristeza,
mas, em vez disso
respeitando
a sabedoria
de um preso,
estala a mensagem
com um grito
de esperança:
Venceremos!

(Mumia Abul Jamal é um prisioneiro político em EUA)

*Teresinka Pereira (Blufton Ohio EUA)

Gênese


*Ronaldo Cagiano

Busco na palavra sua unção,
labirinto de paradoxos
em que mergulho
como escafandrista
num garimpo de (im)possibilidades.
Território de invenções,
ela me estende a ponte
entre o sagrado
e o profano
Em cada manhã
rompe com sua insistência de rio.
Meticuloso engenho do verbo
que se faz silêncio
ou boato
Rumino a sua nudez
ou desvelo as suas rugas.
Entre a fuga
e os deslizes
o poema vinga
rosa intimorata no asfalto
nutre-me do que é mingua
recicla-me do que é sangue.

*Ronaldo Cagiano (São Paulo SP)

Poema


*Gustavo Rosendi

As casas flamejam porque partiremos
para nunca mais voltar
Guillaume Apollinaire


Cada noite se levantam
uniformizados de musgo
desde a terra parturiente
contemplam as luzes do cais
e ainda sonham
em regressar algum dia
cheirar de novo o bairro
e correr até a porta
da casa mais triste
e entrar como entram
os raios de sol
pela janela
na qual ninguém mais
se detém a olhar
onde mais ninguém
espera a alegria.

*Gustavo Caso Rosendi
(La Plata, Província de Buenos Aires Arg)
Tradução de Ronaldo Cagiano

Epitaph für Maiakowki

*Bertolt Brecht

Den Haien entrann ich
Die Tiger erlegte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Wanzen.

Epitáfio
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade

(Transcriação) de Haroldo de Campos

Interior

O relâmpago risca e o trovão ribomba tremendo a
tarde na cidadezinha.
Uma criança atende, grita e bate lata a meiadistância.
A mãe ralha:
-- Tem gente morta na capela, seu excomungado.
Pára com isso!
Os mais velhos apavoram-se e preparam rezas e
simpatias para
enfrentar o tempo.
Escurece.
Corisca o relâmpago, explode o trovão, zune o
vento,
a criança responde, bate de novo a lata, a
tempestade desaba,
os mais velhos rezam, a mãe em pânico grita:
--Tira a roupa do varal! Respeita os mortos! Entra!
Na sombria capelinha da igreja o silêncio
ensurdece.
Na casa, o menino ri e bate a lata. A mãe zanga.
Lá fora, na tarde fechada que põe-se a clarear,
indiferente
a tempestade ruge a sua sinfonia para os vivos e
os mortos.

Zeca Junqueira (Cataguases MG)