8 de setembro de 2008

Um poema de Antônio Perin


A casa de meus avós



Na velha estrada do horto
bem no alto do Belém
Minha mãe mostra
a casa em que nascera.

Só vejo o capim angola,
o amarelo da estrada
serpenteando
pelas beiradas da morraria


Ela num olhar turvo
olheiras elípticas de saudades
fala de uma casa, paiol e bica
como se lá ainda estivessem.

Só imagino um esqueleto de paus
a ausência de telhas de coxa
folhas arrastadas pelo vento
num terreiro de secar feijão

Onde um dia foi casa,
uma vaca mastiga capim
ruminando os segredos
dos meus avós.

Antônio Perin

20 de agosto de 2008

Poema gauche

Pela mineira Avenida Astolfo Dutra
(na imaginação toda iluminada)
lá vão o Toquinho e o Zé Antônio no
sábado de carnaval,
eu me despeço,
subo antes a rua da Praça de Esportes
onde em algazarra um dia cortamos águas de
muitos portos – como havia portos!
subo a rua silenciada pela madrugada
desafiando surdos e tamborins
encharcado de uísque (cão engarrafado) e
cerveja tomada à rodo esquivando-me do
cão do Pequeno (xô, bicho!)
nosso anfitrião que encheu o saco
entre um copo e outro e mais outro
péra lá!...
o anfitrião é o Pequeno o cão é o cão e
foi ele – o cão! - que encheu o saco e
nós não bebemos esse cão, acho que não,
tá explicado, momo possuiu o bicho
que não parava de pular, pulou até sumir
...revejo-os,
o Toquinho e o Zé Antônio no meio da avenida
já avistando a folia brancaleone espremida no gueto
(gueto na forma e no conteúdo)
mas o Toquinho se anima e arrisca uma marchinha,
se desajeita e desiste,
“êta bosta de festa ruim!”, teria dito
esquecendo o português professoral
“cadê os carnavais de Cataguases
onde as águas rolavam?”
teria questionado o homem calibrado
de novo a dançar com os braços levantados e
os dedos indicadores apontados para o céu estrelado
- vai nascer birruga, Toquinho! e
ele desiste de vez dos eflúvios de momo.
Prosseguem os dois na caminhada e
sobrevivem ao gueto e à folia e
finalmente alcançam a Vila onde a dupla se desfaz:
Zé Antonio assenta-se no meio-fio fitando o Toquinho
que segue com a folia mal resolvida no ânimo
“parecendo Carlitos naqueles finais de filmes
em que ele caminha solitário rumo ao infinito”,
poetisa rindo com certeza o Zé Antonio
mirando o Toquinho que por ora vai sumindo devagar
na tela da infinita noite estrelada.
Caminha de novo o Zé Antônio, agora só
pela sua avenida antiga de uniforme e livros escolares
pensando na vida pacata sem surdos nem tamborins,
levando a vida mineira de pouca festa,
se esforçando na previdência (melhor seria na providência)
terrena e celeste, por favor
afinal alguém precisa tomar providências!
lá vai o Zé Antônio carregando uma lembrança qualquer
dos amigos?
dos amores perdidos?
das namoradas guardadas no peito?
de outros carnavais?
também sob um céu de estrelas que já brilharam mais,
lá longe, lá na sua adolescência na mesma avenida,
lá vai o Zé Antônio embolado entre a prosa e o verso,
indeciso entre o silêncio e o verbo (e agora, José?)
espremido para caber cotidianamente
entre o dia e a noite
entre o dever e a fuga
entre o ser e o não ser
entre a farsa e o foda-se
lá vai ele caminhando com as mãos nos bolsos,
também parecendo um Carlitos fora das telas
perdido num arremedo de sábado de carnaval
já com ares de quarta-feira de cinzas
onde cai bem um the end com vaias para essa folia gauche
que termina com o Zé Antonio, só,
desaparecendo pela velha avenida rumo a tudo que ele pretende,
sem saber como, tornar infinitamente melhor.

Zeca Junqueira

5 de agosto de 2008

Paisagem

Para Altamir Soares


A tinta fresca da manhã
cobriu a cal que só ficou no céu
e nos olhos arregalados do menino

Emerson Teixeira

17 de julho de 2008

Um poema de Antônio Perin


Solidão metropolitana


Relendo Miguel Torga


Tanto faz. Não importa onde.
Seja numa rua central de Sampa ou do Rio
onde verde é apenas a cor de um delírio.
Sou mais um corpo na correnteza humana
caminho como um primata sem florestas
ereto, mudo, em interiorana presença
perdido na ruidosa solidão da cidade

O concreto treme no vapor do verão
o céu através do véu cinza não é azul
corações desritmados batem na ansiedade da pressa
somos movidos pela batuta do semáforo
Vidas fingidas a caminho de bancos repartições e a bolsa
Quando o dia se apaga e a noite se acende
bovinamente retornamos as nossas celas-quitinetes.


Antônio Perin

Coração de estudante II

(De uma lembrança do Zé Antonio Pereira, numa mesa de bar,
que veio a tona como um verso há muito naufragado)

Qualquer verbo,
intransitivo demais
insuficientes os adjetivos
predicados, os mais desejáveis
mas não ouso dize-los
não
apago então as palavras
(que nem rabisquei)
todas confusas
todas de amor
todos os pontos
resta uma vírgula
apago a vírgula
apago tudo
deito o lápis;
Cecília...!
Expressão substantiva da beleza
doce lembrança calada no fundo
dói, coração de estudante!
Cecília e sua biblioteca
Cecília meiguinha
Cecília purinha
Cecília lindinha:
eis o poema
Não:
poeminha.

Zeca Junqueira

A máquina parada - Zeca Junqueira

Os pingos doem nos nervos como lâminas de gelo:
- chove escuro pesado triste no fim da tarde no
centro da cidade: - é por dentro que chove

chove sujo como baldes de
água ruim jogada de qualquer jeito em cima do
formigueiro humano: - vozes abafadas espasmos
buzinas
latas de gente encalhadas como estranhos
navios sem origem e sem destino na
superfície negra alagada do asfalto.

Tudo estacado:

é como se uma gigantesca máquina invisível
houvesse deixado de funcionar de repente
sem ter sido programada para isso:
- as engrenagens descobertas parando num estrondo,
resfolegando, soltando fumaça, o motor rugindo abafado,
silenciando-se,
o Moloch imobilizado no aguaceiro no
centro da cidade assustadoramente visível
parado
perplexo
afogado.

Chove como se o céu chorasse no centro da cidade.

Zeca Junqueira

Ludopédico - Antônio Jaime

a bola levanta vôo
veloz como cometa
hipnotizaolho por olho
emboca na rede: é gol

como acertar no cubo
que subjaz na esfera
por mais de cem mil lados
só um deles dá no couro

metade da torcida explode
como se um só foguete
a outra: “porra! não fode”
pronta a baixar o cacete

Antônio Jaime Soares